OBSESSION
Marina_W



Ela estava olhando para os pés, os sapatos pretos horríveis que era obrigada a usar. Aquele uniforme. A meia de seda, que odiava. Pensou em Maria, sua companheira de quarto e reconheceu que tivera mais sorte do que ela, que trabalhava como garçonete e de noite se jogava na cama, muitas vezes com a roupa do corpo. Não tinha o que reclamar, afinal. “Pode me atender?”, ouviu a voz, levou um susto. Pelo tom já devia estar esperando um bom tempo. Ou era mais um turista apressado para ir às compras.
“Desculpe, eu estava meio desligada. Pois não?”
“Um quarto, pequeno...o mais barato”
Ela pegou uma ficha. Errou o nome duas vezes. Ele tamborilou os dedos no balcão, impaciente. Pediu seu passaporte. Não entendia porque estava nervosa, um hóspede a mais, um hóspede a menos, que diferença fazia naquele hotel aonde não paravam de chegar brasileiros cheios de sacolas e cartões de crédito prestes a estourar?
Reparou que ele não carregava nada, nem mesmo uma sacola de mão.
“Pretende ficar quantos dias?”
"Um". Ela digitou alguma coisa no computador, com o rabo olho viu que ele usava camiseta branca descosturada na altura onde o ombro se encontra com a manga. Calças de brim que pareciam ter pouca intimidade com a máquina de lavar. Cabelos curtos despenteados. Trinta anos?
“Vai demorar muito?”
“Um minuto”
Antipático. Nem feio nem bonito, mais pra feio.
“Sabe o que é... Patrícia, estou com um pouco de pressa”
O crachá.
“Basta assinar aqui, por favor. O pagamento deverá ser feito amanhã pela manhã”
Ele assinou. Anel de prata, unhas rentes, roídas. Uma tatuagem na parte interna do braço, obsession. Nenhuma mala ou sacola.
“Prontinho. Desculpe o incomodo”.
Ele sorriu. Não um sorriso de simpatia mas de alívio.
Foi andando para o elevador. Nas costas da camiseta estava escrito Never.

DOIS

Patrícia contava os dias para voltar para o Brasil. Nova York era muito bom para quem tinha grana e ela já não achava graça em ficar sentada no Central Park olhando os rapazes bonitos andando de patins. Sentou na lanchonete ao lado do hotel, estava cansada demais para ir andando até em casa. Pediu um suco e um sanduíche qualquer. No supermercado separou um pacote de leite, pão de forma, sucrilhos e sorvete , que precisou devolver no caixa. Sem moedas e sem par, suspirou. Sábados nova-iorquinos, sábados de mulher que ninguém tira pra dançar. E tinha apenas vinte e um anos.

TRÊS

Maria dizia que ela precisava se divertir. Maria se divertia. Com os fregueses no bar, nos fins de semana saía para dançar com amigos, fazia cooper nas margens do Huston. Ela ficava em casa escrevendo diários enquanto a vida ia passando. Ficou pensando no homem impaciente, sem malas, sem nada. O passaporte carimbado do início ao fim.
Levantou e tomou um banho de banheira. O patinho amarelo da amiga boiava na água, o bico submerso. Precisa caminhar também e se livrar da vida sedentária. Ou fugir. Sim, talvez devesse fazer uma viagem sem destino, pensava enquanto vestia o pijama. Arranjar um namorado bacana. Deitou na cama abraçando o travesseiro. Bem que poderia ser Forever, foi a última coisa que pensou, antes de ser envolvida pelos sonhos.


 

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