SEM CAFÉ
Humberto Raposa Celia-Silva
Parecia-lhe normal todo o dia acordar de manhã cedo e beber uma xícara de café.
Bruno Leopoldo não tinha muita coisa nova para contar. Sua vida havia se tornado uma rotina infernal, não infernal por ser muito movimentada ou impossível, mas por ser absurdamente normal. Nunca vocês poderão ver outra pessoa tão normal quanto Bruno! Suas roupas são normais, sua casa é normal, tem um emprego normal numa empresa normal no centro de uma cidade normal para onde vai num carro normal, ouvindo um CD normal tocando músicas normais de MPB. Caetano Veloso, seu favorito, mais do que normal! Não concordava com o fato de duvidarem da sexualidade dele, como seu cantor favorito poderia não ser normal? Simplesmente não podia ser!
Continuava levando sua vidinha normal. Acordava cinco e meia da manhã, tomava o café da manhã, com café, torradas e manteiga, frutas? não! Só é normal comer frutas no café da manhã em hotéis e ele não morava num hotel! Então, sem frutas. Saia de casa a tempo de chegar no trabalho sem atrazo, como qualquer funcionário normal faria, trabalharia até a hora do almoço, almoçaria na cantina da empresa e depois retornaria normalmente para seu trabalho. Seis e pouco sairia do trabalho, passaria no mercadinho para comprar as provisões normais para o próximo dia, e aproveitaria para comprar um pote de manteiga ou um saco de café se estivesse acabando, e pelo menos o café estava. Mas a fatalidade o atingira, não havia café! "Problemas com o distribuidor, senhor. Eles estão parados faz semanas! Desculpe o incomodo." Bruno até aceitou normalmente as desculpas do atendente, mas não estava mais se sentindo normal. Como ele poderia passar um café da manhã sem café? Algo precisava ser feito! Não... não vou me importar com isto, não seria normal. As pessoas normais não se preocupam tanto com estas futilidades. Eu poderei passar sem café por uma manhã como qualquer pessoa normal faria.
Claro que ele tentou procurar em outros supermecados, mas os distribuidores estavam em greve, o mesmo problema em todos os lugares, não em todos, não seria normal procurar em todos os mercados da cidade. Teria que passar sem café. Voltou pra casa desolado, mas não deixou se abater. Tomou a sua xícara de café noturna para aguentar mais umas horas, como normalmente fazia, mas desta vez sorvia cada gole pesaroso pois não teria o docê café na manhã seguinte. Deitou-se a cama para uma noite normal de sono, mas não dormiu, e quando conseguia sonhava com ele sendo mergulhado em xícaras de café quente, ou sendo enterrado com pó de café, com certeza não eram sonhos normais, o que o deixou mais pertubado. Sua normalidade havia sido abalada e agora ruia, cada minuto que passava se sentia menos normal, pois não era normal ficar acordado nem mais um minuto, mas por mais que ele quisesse ser normal não conseguia.
Levantou-se acabado, vestiu sua roupa de qualquer jeito e saiu com o carro a tempo de chegar ao trabalho, mas sem café, não comeu nada de manhã, já que era para ter um café da manhá incompleto, anormal, então não o teria, mas agora sua vida já não era mais normal, pessoas normais não passavam noites em claro por causa de um café! Ele se sentia desgraçado e desonrado. Não se sentia normal. Chegou ao trabalho ainda abalado, arumou a roupa antes de sair do carro e suspirou por ter sido alvo desta fatalidade, nunca imaginara que sua vida poderia ser destruída pela falta de um café. Passou pelos corredores e todos o olhavam, talvez estivessem olhando sua anormalidade transpirando, mas Bruno não se deteve e foi até sua mesa onde sentou-se pesadamente na sua cadeira normal. Sua secretária veio a ele alguns minutos depois com um copo de bebida fumegante na mão.
- Você não está com
uma cara muito boa, Sr. Leopoldo. Talvez um pouco de café te traga ao
normal.
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