A DEUSA ÉBANO
Ana Terra

Estava em horário de almoço. Apressado, pelas ruas da cidade, aproveitando o pequeno tempo para pagar suas contas. Passou em frente de uma loja de pedras preciosas. Sem prestar muita atenção, viu inúmeros cristais, de todas as formas, cores e transparências, refletindo a luz do sol. Achou bonito e parou alguns segundos para observar.

Olhando mais atentamente, viu um lindo ônix, solitário entre os cristais. Sentiu um fascínio sem explicação por aquela pedra. Sem pensar muito, entrou na loja e comprou o ônix. Nem esperou o balconista embrulhar. Jogou a pedra no bolso e continuou seu caminho.

Sentiu-se cansado naquele final de dia. Displicentemente atirou seu paletó em cima da cama e foi cumprir a rotina de sempre. Esqueceu-se do ônix.

No dia seguinte, precisou de uma caneta. Ao revirar seu bolso lembrou-se da compra do dia anterior. Jogou tudo em cima da mesa e não encontrou a pedra. Não deu muita importância ao fato. O que iria fazer com uma pedra negra?

Devido a sua turbulenta vida sexual, certa noite notou que seu colchão precisava ser trocado. O velho amigo das loucas madrugadas já estava decaído. Providenciou a compra de um novo. Ao remover o antigo, viu o ônix preso entre as madeiras do estrado. Uma ternura imensa tomou conta de seu ser. Olhou para a parede e viu a velha tela de Miró que decorava seu quarto. Delicadamente tomou a pedra entre as mãos e a acariciou. Encontrou entre seus pertences uma pequena caixinha, forrada com o mais branco veludo que já vira. Depositou ali sua jóia e a guardou em seu criado-mudo.

Conversando com um amigo, este lhe falou do poder energético das pedras preciosas. Ficou sabendo que tais pedras repunham as energias perdidas pelo stress do cotidiano. Ouviu tudo com muita atenção e, mentalmente, criou um secreto ritual: em todas as noites de Lua Cheia usaria seu ônix.

E assim o fez. Silenciosamente, desnudava-se e tomava um banho de lua. Acariciava todo o seu corpo com a pedra e uma calma imensa o invadia. Ia dormir com um sorriso nos lábios, como num pós-orgasmo.

O tempo passava. O ritual era feito em todas as noites claras.

Num embalo de sábado à noite saiu com amigos. Estava num bar tomando sua cervejinha, quando sentiu sua pele arder. Olhou para trás e viu uma Deusa Ébano. Linda. Provocante. Sensual. Olhos que tinham o mesmo brilho do ônix.
Quase teve uma síncope. Ele, um respeitável senhor, sentir-se atraído por uma garota negra, com a idade de sua filha! Aquilo não podia estar acontecendo, pensou.

Mas a vida não segue roteiros. Implorou por sua lucidez, mas foi comunicado que ela havia tirado umas férias. Estava no Havaí, curtindo as ondas, sem data para retornar. Sentiu-se perdido.

Num canto escuro de bar, a Deusa Ébano beijou-o com sofreguidão. Viu que não tinha mais controle de suas pernas, de seu corpo, da sua mente. Como no ritual secreto, as mãos da Deusa percorreram sensualmente seu corpo. Nunca havia sido dominado por tamanho desejo. Pensou que estivesse enlouquecendo.

Como um fugitivo, saiu do bar. Ao chegar em casa, deitou-se no novo colchão, cobriu a cabeça e implorou aos céus um pouco de lucidez. Talvez não passasse de um momento. Ele, um senhor maduro, sério, perder o tino por causa de uma Deusa Ébano que conheceu num bar qualquer.

Com muito esforço adormeceu. Acordou com uma vontade de tomar café com leite, o que não era hábito. A Deusa não lhe saía da cabeça, apesar das velas acesas em cima da pia da cozinha. Invocou todos os santos que conhecia, rezou terços e mais terços até seus dedos sangrarem, mas nada adiantou. A Deusa Ébano na lhe dava paz. Estava dominado por uma obsessão.

Sua vida mudou. O ônix deixou a caixinha e passava o dia inteiro em suas mãos. Disfarçadamente, fazia seu ritual secreto a todo instante.

Seu celular não parava de tocar. Era a Deusa Ébano, com sua voz arrepiante a provocá-lo. Sem saber o que fazer conversou com um amigo e contou o seu desespero. Para sua surpresa o amigo adorou a história. Seu corpo enlouqueceu de desejo. Subiu pelas paredes e quase derrubou sua tão amada tela de Miró.

Suas olheiras chegaram até o queixo. Seu sexo pulsava o dia todo. A Deusa Ébano não lhe dava um minuto de sossego.

Rendeu-se ao destino. Lembrou-se do dia da compra do ônix. Leu revistas místicas (acasos não existem). Por algum motivo que não entendia, a Deusa estava em seu caminho.

Começou a rever seus conceitos e preconceitos. Contrariando todas as normas de bom senso e segurança, parava seu carro em ruas ermas e rendia-se à sedução do seu desespero. Até por policiais foi abordado. O susto foi tão grande que o ônix quase se transformou num copo de leite. O sério senhor foi encaminhado ao Pronto Socorro mais próximo, temendo um ataque cardíaco.

Não sei que destino esta história irá tomar. Ele, homem de fibra, que sempre seguiu o lado branco da vida envolto num macio e cheiroso véu negro.

Pobre homem! Obcecado. Sentindo na carne a dor do preconceito. Pedindo aos céus as definições de obsessão e paixão.

 

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