CRÔNICA
INDIGNADA DE UM ALLEGRO MISANTROPO II
Sérgio Galli
(ao som do quarteto de cordas
número 6 de Bela Bartok)
...O desenvolvimento
ignora aquilo que não é calculável nem mensurável,
isto é, a vida, o sofrimento, a alegria, o amor. Sua única medida
de satisfação está no crescimento (da produção,
da produtividade, da renda monetária). Concebido unicamente em termos
quantitativos, ele ignora as qualidades: as qualidades da existência,
as qualidades da solidariedade, as qualidades do meio, a qualidade da vida,
as riquezas humanas não calculáveis e não monetarizáveis;
ele ignora a doação, a magnanimidade, a honra, a consciência.
Sua abordagem varre os tesouros culturais e os conhecimentos das civilizações
arcaicas e tradicionais; o conceito cego e grosseiro de subdesenvolvimento desintegra
as artes de vida e sabedorias de culturas milenares.
Sua racionalidade quantificante é irracional quando o Produto Interno
Bruto (PIB) contabiliza como positivas todas as atividades geradoras de fluxos
monetários, inclusive catástrofes como o naufrágio do Érika
ou a tempestade de 1999, e quando desconhece atividades benéficas gratuitas.
O desenvolvimento ignora que o crescimento tecnoeconômico também
produz subdesenvolvimento moral e físico: a hiperespecialização
generalizada, as compartimentalizações em todos os campos, o hiperindividualismo,
o espírito de lucro acarretando a perda das solidariedades. A educação
disciplinar do mundo desenvolvido aporta muitos conhecimentos, mas engendra
um conhecimento especializado que é incapaz de captar os problemas multidimensionais
e determina uma incapacidade intelectual de reconhecer os problemas fundamentais
e globais.
O desenvolvimento comporta em si como benéfico e positivo tudo aquilo
que é problemático, nefasto e funesto na civilização
ocidental, sem por isso comportar necessariamente aquilo que há de fecundo
(direitos humanos, responsabilidade individual, cultura humanista, democracia)...
Edgar Morin
De volta à ópera bufa... Melhor,
nesta próxima beira à tragicomédia ou uma comédiatrágica.
Pego um pequeno exemplo, muito particular, mas que dá a dimensão
exata da maneira pela qual a dominação e a escravidão são
exercidas. A insistência do atual governo que apenas repete o que
fazia o governo anterior de não reajustar a tabela do imposto
de renda é uma afronta à inteligência e um assalto ao nosso
bolso. Sim! O que o governo faz é simplesmente um roubo. Chega de eufemismo.
Ou, se quiserem, no jargão jurídico, apropriação
indébita. Qual a diferença entre um assaltante que aponta uma
arma para nós e leva o nosso dinheiro e a tunga perpetrada e perpetuada
pelo governo? Nas palavras do poeta e dramaturgo alemão Bertold Brecht
que faz a seguinte pergunta: qual a diferença entre roubar e fundar um
banco? O pior desse roubo é que esses recordes de arrecadação
alardeados pelo governo não revertem para a população.
Por acaso essa torrente de dinheiro vai para a saúde, melhor atendimento,
salário melhor para os médicos? Claro que não. Por falar
nisso, a tal cpmf (que era, como o próprio nome diz para ser provisória
e virou eterna) seria a salvação da saúde. No que deu?
Todo o santo dia o noticiário mostra as intermináveis filas nos
postos de saúde. Uma consulta demora no mínimo seis meses. E a
educação? O dinheiro dos impostos melhorou o salários dos
professores? Curso de aperfeiçoamento? Tantas e tantas perguntas....Sem
falar no resto, segurança, saneamento básico, transporte, habitação...
E nada acontece no quartel de Abrantes. Nem o preposto do FMI (Palocci), nem
o presidente da república, ninguém vai para a cadeia. Sim, repito.
O que eles fazem é roubo! Isto é democracia? Isto é Liberdade?
Isto é Igualdade? Quiçá, Fraternidade?! Que democracia
é essa que o ministro da Fazenda de forma autoritária e arbitrária
não foi eleito imbuiu-se de uma poder de fazer qualquer
tirano corar? Que democracia é esta? Mas afinal, quando o diretor-presidente
do Fundo Monetário Internacional o braço armado das grandes
corporações econômicas cujo nome é muito conveniente
ao cargo, Rodrigo Rato, elogia a economia brasileira e o presidente brasileiro
afirma que não vai mudar o rumo da economia percebe-se quem de fato manda
e governa o País.
Mas afinal, para onde vai essa dinheirama fruto de um assalto permanente e impiedoso?
Para manter algo que é um palavrão, uma obscenidade: superávit
primário! E para quê isso? Para pagar os juros observem,
os juros da dívida. Em resumo, a grana vai para o presidente,
diretores e acionistas do Citibank. Em quem, como sempre paga essa conta? Assalariado
e aposentado, que são os culpados da inflação, do déficit
da Previdência, do custo Brazil, da falência
do Estado. É muita cara-de-pau. Cinismo cruel que é celebrado
nos churrascos de final de semana realizados no Palácio do Alvorada.
Ah! Começam a ser publicados os balanços dos bancos brasileiros
e, óbvio, lucros recordes. Mas há outros recordes que não
são tão alardeados mas que o brazil continua a bater: o de desigualdade,
por exemplo; a concentração de riqueza; índices de analfabetismo,
desemprego ... e, claro, o de juros. A polícia algum dia irá prender
banqueiro, afinal, usura não é crime? Roubo não é
crime? Não quero dizer com isso que essa é uma simples questão
moral. Que banqueiro é malzinho, o fmi é malzinho. Esta é
a lógica do sistema capitalista. E sim, esta lógica é perversa.
É tedioso começar o dia e ver o noticiário e ler os jornais.
Inflação é de 0,000%, desemprego sobe
para 0,01%, meta de superávit primário é atingida,
taxa de juros cai para 0,0002, aumento do da alíquota
do IR, Somos contra a ALCA, esbraveja o presidente, Eu
não sabia que o cara que trabalhava comigo há 12 anos era corrupto,
diz o comissário e primeiro-ministro; O Brazil deve crescer
0,00003% este ano, dizem o presidente do sindicato das indústrias
e o ministro do planejamento, O PIB vai crescer 0,00005%,
O futuro do Brazil está na soja, afirma ministro da agricultura.
É um circo de péssimos palhaços, mágicos. Mau teatro.
Atores de quinta categoria. Tanto por parte do governo quanto da oposição,
dos sindicatos patronais e dos trabalhadores, intelectuais orgânicos ou
não, acadêmicos, apresentadores de TV, comerciante da 25 de março,
articulistas de jornais, celebridades, a moça da capa da revista masculina....
é a mesma cantilena: desenvolvimento crescimento. É tão
monótono, repetitivo e insuportável quanto axé, sandy e
júnior, novela das oito que começa as nove e que é antecedida
pelo JN e que domingo vira fantástico que propaganda de cerveja que o
novoo livro do paulo coelho o novo filme do tarantino
que a música de steve reich philip glass reticências
Qual desenvolvimento? Como bem pergunta Morin. Só se for o do lucro dos
bancos e de algumas pessoas físicas. Qual crescimento? Só se for
do desemprego, do desânimo, do desespero, do desatino, do câncer,
da depressão. Isto é humanismo?
Mas qual será o próximo ato dessa ópera verdiniana?
Veremos na próxima crônica.
Dica de leitura: Jihad
x Mcmundo, de Benjamin R. Barber, Record e Ensaio sobre a lucidez,
de José Saramago, Cia das Letras.
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