AMOR DA MINHA VIDA
Rita Alves

 

- Vai se foder, desgraçado! – Margot colocou o braço pra fora, levantou o dedo médio com fúria e meteu a outra mão na buzina, seus olhos pareciam quase pular da face. O trânsito caótico a deixava ainda mais descontrolada.

Seus dias estavam cada vez mais longos, sua vida mais medíocre e ela, cada vez mais gorda. Nem se lembrava mais do último dia que falou com ele. A voz macia, o jeito irreverente. Sentiu saudades e chorou. Xingava e chorava, tudo era motivo para explodir num emaranhado de emoções. As pessoas olhavam espantadas.

- Idiotas! – gritou com desprezo.

Chegou em casa e jogou o material escolar em cima do sofá. Tinha várias provas para corrigir, mas não tinha ânimo. Estava faminta, foi até a cozinha, abriu a geladeira e ficou ali, em pé, comendo rápido. Parecia que sua boca não se contentava com nada. Mastigava e engolia com a avidez de um cão faminto. Abriu o freezer e pegou o pote de sorvete de creme. Não era o seu preferido, mas não se importava. O que era realmente importante estava há quilômetros de distância.

Sam morava em outra cidade e aparecia de vez em quando para lhe fazer uns afagos. Mas ultimamente estava avesso. E isso Margot não podia suportar. A indiferença dele fazia seu sangue ferver. Como ele podia tê-la iludido tanto e depois desaparecido? E não era só isso. Sam foi rude ao telefone na última vez que se falaram. Disse barbaridades. Mas o que a preocupava mesmo era a possibilidade dele ter se apaixonado por outra. Talvez ela fosse da mesma cidade, ficava mais fácil. Ou talvez ela fosse uma loira de seios fartos, lábios carnudos ou uma morena voluptuosa de corpo perfeito.

- Não, isso, não. – murmurou.

O telefone tocou. Sabia que era ele porque o telefone tocava de um jeito diferente. Era sempre assim.

- Alô...

- Margot?

- É.

- É o Sam, tudo bem?

- Tudo. – respondeu com a voz desconfiada.

- Precisamos conversar.

- Claro! Quando? – não gostou do tom da voz dele.

- Amanhã. Preciso desligar. Te pego às oito.

- Te amo.

- Um beijo, tchau.

Desligou o telefone com a sensação de que a conversa não seria agradável. Geralmente, depois de falar com ele, corria para arrumar a casa, comprava flores frescas para enfeitar a mesa, procurava velas para iluminar o jantar, verificava se ainda tinha a bebida que ele gostava tanto, mas desta vez não fez nada disso. O pior ia acontecer. Não queria ouvir o que ele tinha pra dizer. Ela já sabia. Sam diria o que todos os outros já haviam dito “você é legal, mas não dá pra continuar...”

Olhou-se no espelho. Barriga disforme, seios pequenos, rosto redondo e pálido. Os lábios finos ainda estavam sujos de sorvete. Estava enorme. Devia agradecê-lo por ter saído com ela algumas vezes. Sentou-se na cama e chorou.

***

Acordou com o barulho do telefone tocando. O coração quase saiu pela boca, eram duas da manhã.

- Alô!

- Oi. É o Sam. Desculpe ligar a esta hora. Mas é que...

- Não diga nada!Hoje à noite resolveremos tudo, mas não agora.

- Mas eu preciso dizer que...

Margot desligou o telefone rapidamente. O desespero era grande demais. Vê-lo de vez em quando era ruim, mas não tê-lo nunca mais era o pior que podia acontecer. Levantou da cama, abriu a janela, o vento batia no rosto. Observou a rua lá embaixo. Suja, silenciosa. Seriam quinze andares de queda.

- Morte rápida – balbuciou tentando se convencer.

Sam não entendeu porque ela desligou o telefone daquele jeito, pensou em ligar novamente, mas desistiu logo em seguida. Achou melhor deixar a conversa para mais tarde, conforme havia combinado.

Depois de ficar algum tempo longe dela, ele agora tinha certeza do que sentia. Estava ansioso para vê-la, precisava dizer com urgência que ela era o amor da sua vida e que durante todo este tempo foi o medo que o afastou.

Mas o amor, às vezes, não sabe esperar.

 

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