SUELY
Osvaldo Luiz Pastorelli

Quando se abaixou para colocar as flores, uma torrente inesperada de luz incidiu entre as árvores dando-lhe a oportunidade de observar desenhos incríveis que o sol aos poucos criava. Foi então que sentiu a calma inundar seu ser, e duas lágrimas quentes e salgadas deslizaram por sua face.

Compreendeu, tinha o seu quinhão de felicidade.

Essa compreensão fez com que se sentisse mais tranqüila, mais gratificante por saber-se existente dentro de uma vida ao qual descobrira involuntariamente importante. Sim, tinha alcançado o ponto certo, não tinha perdido a oportunidade, não a deixará passar.

Tivera seu quinhão cinematográfico no grande filme da humanidade.

Apesar da perda, havia em toda a extensão da pele uma amena sensação de paz gostosa. Recolheu-se dentro de si colhendo a torrente de emoções. Deixou-se ficar esquecida sentindo a quentura do sol afagar seu corpo moreno. E num andar rígido contornou a sombra que, lentamente se projetava e volveu o olhar num ângulo desproporcional e, com isso trouxe à sua pele a sensação gostosa ao sentir pela primeira vez o contato da mão dele.

Estava uma noite agradável, nem quente e nem fria. Sentada no banquinho perto da janela, bebia o chope alimentando-se do sabor gelado numa apavorante certeza de que estava apenas preenchendo os minutos que ali achava que deveria passar. Ao levar o copo a boca foi que notou Dedé no meio do bar com um sorriso descontraído cumprimentando os amigos.

Não notara quando ele entrou, no entanto ele ao se virar notou a presença dela. Fato que não a abalou, assim como aconteceu ao mesmo tempo foi esquecido. Por isso se sobressaltou quando ouviu ele dizer numa voz pausada, talvez até proposital perguntar: - Com licença, posso sentar ao teu lado. Sem ter tempo de consentir ou não consentir Dedé já se aboletara no banquinho.

Achou atitude dele meio rude, mas nada disse, apenas com a cabeça consentiu, pois mesmo que não consentisse ele sentaria ao seu lado do mesmo jeito. E descontraída e meio sobressaltada, pois era acanhada com estranhos, estava falando com ele como se fosse um amigo de longa data.

Suely se apresentou a Dedé numa ambigüidade quase latente de atração envolvendo os seus corpos numa seqüência de abraços e beijos. Dedé mostrou-se um amante a altura satisfazendo todos os caprichos de Suely tendo até despertado a paixão que residia em seu peito como um facho de luz apagada.

Passaram momentos de descobertas em descobertas revelando-se em gestos e carinhos que Suely de pronto se entregou aceitando se fosse o caso, casar com Dedé tamanha foi à força da paixão levando-a a agir como agira. Não se arrependera, e nunca se arrependeria se fosse necessário passar por tudo o que passou.

Seguindo o movimento da luz que torrencialmente alisava os pequenos montes de terra, com sua mão delicada e suja, arrancou os últimos vestígios de grama que nascera no túmulo.

Nem mesmo o que acontecera depois, Suely achava que não deveria sentir arrependimento. Pois, sem mais e sem menos, sem uma explicação Dedé sumira.
Mesmo que ela quisesse achá-lo não saberia por onde começar. Acariciando a esperança continuou religiosamente aparecendo ao bar onde se conheceram.

Quando uma noite em que distraidamente relembrava pela milionésima vez como se conheceram, ouviu pela televisão a notícia de que a polícia, por intermédio da mulher, conseguira finalmente matar o criminoso Dedé há muito tempo desaparecido. Suely sentiu o chão se aproximar e uma dor latente queimando sua cabeça.

Sem notar a mão suja de terra, enxugou as duas gotas de lágrimas que teimavam escorrer pela face. Ao limpar a beirada do túmulo, a torrente de luz tocou sua mão. Estremeceu, tivera a nítida impressão de sentir o calor da mão de Dedé acariciando a sua. Parada por uns instantes, fitou a luz, sorriu, se sentiu reconfortada e acabou de limpar o que estava faltando, guardou os apetrechos, levantou-se e andando com a cabeça erguida, saiu do cemitério.

Na próxima esquina virou a esquerda e um som de pneus marcando o asfalto quebrou a monotonia da tarde que morria dando lugar à noite que se iniciava.

E o sol esticando o braço, carregou para o infinito num abraço, a amada.

 

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