TORRENTES & CORRENTES
Francisco Pascoal Pinto de Magalhães

A Grande Rede, confesso, tem-me sido mui útil neste árduo ofício da crônica. Principalmente agora que a minha memória comporta-se de modo deveras preocupante, trazendo-me as imagens nos seus menores detalhes e nas mais variadas cores, porém sem os nomes, os créditos, as legendas. Outro dia, por exemplo, não sei por que motivo, lembrei-me de um amigo de infância. As feições, os trejeitos, o tom da voz... resgatei tudo; menos o seu nome. Anônimo, o fantasma daquele parceiro de brincadeiras e travessuras que sabe lá Deus por onde anda, me torturou por mais de uma semana; até que, com descomunal esforço, o arranquei à força de lá das profundezas enevoadas da minha mente, onde ele se arraigava com unhas e dentes.

Por isso mesmo navego. Porque é preciso, urgente e necessário ao cumprimento da minha rota imprecisa. Por isso invado sem pedir licença os portos e os portais e saqueio o tesouro das informações. O veio inesgotável flui e o ouro me vêm aos borbotões em torrentes caudalosas que regam e saciam minha permanente e oceânica sede de tudo saber. E continuo, como dizia o filósofo, sabendo apenas que nada sei. E que sei nadar – ainda bem.

Afinal de contas, me pergunto, que seria de mim sem a salvaguarda oportuna dos faróis e dos dicionários? Decerto seria arrastado pelas correntes para ainda além dos confins de um outro sítio, cujo nome, para variar, me falta agora.

 

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