A CARTA DE MARIA
Thaty Marcondes
Por que dizer tanto se posso fazê-lo
sem muito?
Pouco tempo pra tanta palavra; muito tempo pra tão pouco sentir. Resumindo:
não sei como dizer tudo o que me preenche, que é de um vazio incrível!
Por isso quero falar pouco: o mínimo que resumo o todo. Já me
alonguei demais em expectativas, perdi o parâmetro das verdades, esvaziei
o corpo cheio de desejos, lotei a mente repleta de dúvidas.
Entrei nesse redemoinho e não acho a saída: não sei como
dizer! Então resolvi te escrever essa carta, que, na verdade, não
diz nada do que na realidade eu gostaria de falar-te.
Ah, Antônio, tu não és burro! Hás de ter notado o
guarda-roupa vazio de meus pertences, a falta de minha escova de dente no banheiro,
o criado-mudo sem meus livros. O varal está vazio, por certo, que hoje
não fiz serviço algum da casa, pois estava arrumando minha bagagem.
Parti, pra não ter mais que olhar nos teus olhos que tentam me adivinhar
os pensamentos mais íntimos; parti pra não sentir mais tuas mãos
geladas a me percorrer as coxas à procura dos meus segredos; parti pra
não ter mais que cozinhar, lavar, passar, limpar, varrer e outros afazeres
mais. Parti, Antônio, pois não sei como dizer que não te
amo mais. Parti levando comigo lembranças boas e ruins - o normal da
vida a dois -. Parti levando teu carro e teu dinheiro guardado comigo em confiança,
pois acho que mereço isso, por estes anos todos. Deixo-te esta carta
e meu perfume no ar, que em breve também irá deixar-te na casa
vazia de meu riso.
Maria
ps: tem frango assado com batatas no forno
e arroz na geladeira. Não esqueças do remédio pra úlcera.
Qualquer coisa me liga na casa do Osório, teu compadre e meu amante.
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