CRIME E CASTIGO
Rita Alves

 

- Ahh...que vontade de chorar!Mas as lágrimas não vêm.


- Pensa um pouco, pra que você precisa chorar? Talvez seja o momento de enfrentar as coisas com mais naturalidade. Não precisa transformar tudo num dramalhão.


- Dramalhão?Ele me traiu!


- Bah!


- Insensível...você não entende nada!


Ficaram um tempo em silêncio, Margot olhou através da porta de vidro e observou a rua úmida. Caía uma chuva fina e pairava no ar um clima melancólico. Talvez não fosse o tempo que estava estranhamente triste. Ela sabia que algo dentro dela havia mudado.


- Por que você não quis ficar comigo aquela noite?


- Porque você estava bêbada.


- E daí?


- Você é louca? Ele é meu amigo. E além do mais, agora mesmo você estava reclamando que foi traída...o que é?Queria me usar para dar o troco?


- E ainda achava que você era inteligente! Eu só quero matá-lo!


- Não conte comigo.


- Estúpido!


- Além de chorona você é bastante mal-educada.


Margot ignorou o comentário e deu os ombros. Jack apertou os olhos e sorriu com ironia.


- Já que você não é uma boa companhia hoje, Meg, vamos encerrar nossa conversa logo. Pode me explicar o por quê do convite para jantar?


- Porque eu precisava de alguém pra conversar, mas já deu pra perceber que não dá pra manter um diálogo com você sem que eu fique irritada. E por favor, não me chame de Meg.


- Quem escolheu este nome pra você, Margot Amarga? - disse gargalhando.


Era quase impossível pra ele entender como uma mulher bonita e inteligente como Margot, podia ter se metido com um cara tão canastrão e burro.


- Escuta aqui, eu te chamei porque preciso falar algo muito importante, mas...não sei como dizer...


- Você já disse. Quer matá-lo. Precisa armar um plano e como você acha que sou o cara mais terrivelmente sórdido do mundo, quer que eu participe!


- Fala baixo, Jack!


Por um momento achou que ela estava brincando, mas a conhecia há muito tempo pra saber que estava falando sério. Sentiu a face queimar. Podia sair dessa com alguma piadinha, mas não conseguiu.


- Não diga bobagens, Margot! Vamos embora daqui.


Jack acenou para o garçom.


- Mas eu não quero ir embora. Fique e escute o que tenho pra dizer.


- Não acredito! Você ficou louca, é?


Margot sorriu. Percebeu o quanto ficou constrangido e começou a imaginar que podia ter estragado tudo. Pensou melhor e achou que tinha se precipitado. Sabia que Jack nutria uma paixão avassaladora por ela e tinha que usar todo o charme e sedução para convencê-lo. Estava magoada por ter sido traída, passada para trás. O seu ódio aumentava a cada dia e ela precisava resolver isso.


- Jack, eu estou brincando!


Ao contrário do que imaginava, ele não sorriu, nem fez suas costumeiras piadinhas bem sacadas. Ficou parado, olhando pra ela.


- Jack!


- Vou embora. Não gostei da brincadeira.


O garçom chegou e ficou parado com a caneta na mão, fingindo não ouvir a conversa.


- A conta, por favor!


Ele balançou a cabeça e se afastou carregando o bloquinho de pedidos.


- Seu senso de humor já foi melhor, hein, amiguinho!


- É, você acabou de estragá-lo.


Não tinha conseguido definir o que sentiu. Um misto de frustração com alegria ou uma felicidade quase triste. Durante muito tempo ele a quis. Um dia Margot, bêbada, se atirou pra cima dele, sem mais nem menos, e ele esquivou-se. Levou-a pra casa e deu-lhe um beijo na face. Viu quando ela entrou cambaleante para dentro do apartamento e se jogou no sofá com as pernas entreabertas, rindo como uma desvairada. Ria alto e convidava-o insistentemente para entrar. Ficou durante vários minutos parado na porta, em conflito. Entrava ou não? Afinal, ela era a quase esposa do seu melhor amigo. Desistiu. Margot sabia bem o ele sentia, mas pouco se importava.


- Desculpe, amigo. - Margot deu uma risadinha engraçada. Jack adorava aqueles sons que só ela conseguia fazer enquanto ria.


- Tudo bem, querida. Nem sei como dizer, mas...


- Mas?


- Eu gostei da idéia.


- Hmmmm... - Margot, mal podia acreditar. Estava fácil demais.


- Com uma única condição.


- Qual?


- Uma noite comigo.


- Acha que sou uma prostituta? - Havia uma leve irritação na sua voz.


- Não. Acho que é uma assassina. Prostitutas, assassinos, corruptos, o que os diferenciam? Todos sem dignidade alguma.


- Passar uma noite com você não é sacrifício algum, Jack...se quer me impingir algum castigo trate de pensar em alguma outra coisa.


- Já disse. Uma noite com você.


- Tudo bem. Quando?


- Hoje. Agora...


Ela esperava tudo, menos isso. Sentiu-se desconfortável, o olhar dele parecia tão cheio de ódio quanto o seu. Quando chegaram ao motel, Jack pediu uma garrafa de vinho branco e bebeu como se fosse água. Tirou a roupa e deitou na cama. Margot, sem jeito, deitou-se ao seu lado, em silêncio.


- Tire as roupas. - falou num tom imperativo.


Margot atendeu e sentiu uma ponta de arrependimento. Achava que tudo seria mais romântico. Riu por dentro, como podia pensar em romantismo numa situação dessas?


- No momento estou te odiando, Margot...


Antes que ela pudesse responder qualquer coisa, Jack a dominou agarrando-a pela garganta. Sentia o coração pulsar rápido e descontroladamente, tinha que matá-la. Traidora. Como ela, conhecendo-o, podia pedir algo tão terrível? Jamais mataria seu amigo. Quem merecia morrer era ela! Nunca ficaria com ele, exceto por vingança.


- Morra, vagabunda!


Margot acordou assustada, olhou ao redor e viu Jack dormindo tranqüilamente. Respirou aliviada. Desde que matara aquele infeliz, tinha pesadelos reincidentes. Parecia que um fantasma a rondava todas as noites. Sempre o mesmo filme, a mesma sensação, estava enlouquecendo. Levantou, tomou um dos seus remédios para insônia e voltou a dormir.

 

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