INOFENSIVO
Reinaldo de Morais Filho
Ana olhou despretenciosamente em meus olhos antes de confirmar com palavras seu gesto de insignificância para comigo.
Naqueles instantes de constrangimento, suas bochechas largas foram criando uma vermelhidão aveludada, sua boca catava a saliva e os lábios grossos tentavam esconder um sorriso nervoso.
'Não sei como dizer'.
Sinceramente, aquilo era tudo. Depois de ouvir minha declaração entrecortada de reticências e medo, existiam três possíveis respostas definitivas: (a) sim, (b) não e (c) fazer de conta de que era um engano, que eu era um erro.
'Não é bem isso... apenas... não esperava'.
Um dia um amigo me contou que seria cientista um dia para inventar um alarme inconfundível para o barulho do sangue fervendo. Talvez, se a invenção tivesse sido concluída, não fosse preciso dar explicações a Ana sobre todos os momentos que me levaram a perder a vergonha.
'Mas eu sou assim com todo mundo'.
De fato, aquilo era tudo. E ao mesmo tempo, aquilo era coisa nenhuma, porque em cada segundo em que planejava o encontro, criava um sorriso para o 'sim', treinava um ar descontraído para o 'não' - sequer considerei a terceira hipótese.
'Repito, simplesmente não sei como dizer'.
Eu não queria uma explicação científica, oras. Bastava explicar porque ela me beijava a face a cada conversa boba, porque me abraçava a cada encontro corriqueiro, porque me sorria a todo instante.
Bastava dizer sim. Bastava dizer não, que fosse.
Ana nada disse; fez-se de boba até esgotarem as forças últimas que tive para resistir à desilusão. Ela atravessou a mão nos meus cabelos, beijou-me a testa e saiu da sala para tomar um café - como se não me entendesse.
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