EU SÓ QUERIA SER NORMAL
Paulo Henrique Pampolin

 

Alguns dizem que é pelo fato de ser libriano. Talvez tenham razão. Todo libriano que conheço tem um pouco disso. Gostam de ser e de principalmente, parecer diferentes. Comigo não é diferente, porém, com uma infinidade de agravantes.

Os mais antigos que me conhecem de berço, dizem que já demonstrava essas diferenças quando muito novo, logo após a fase baby. Vou começar pela fase que tenho memórias próprias, a adolescência.

Insistia em ler sobre política, revolução, esquerda, movimentos estudantis, enquanto meus amigos da mesma idade, pouco ou nada davam de atenção para leitura. Para piorar, usava um óculos fundo de garrafa de lentes verdes, com armação preta, um terror. Mas, do meu ponto de vista, a imagem do intelectual.

Todos ouviam o que tocava nas rádios AM, ou seja, Giliard, Roberto Carlos, Marquinhos Moura, Odair José... etc. O bonitão aqui, mesmo sem uma FM por perto, insistia e conseguia discos do The Clash, REM, Cure, Smiths, Sex Pistols, etc. Começava ali a fase indie. Na música, indie é abreviatura para independent, ou seja, bandas que vivem fora do padrão e do circuito comercial. Não toca no rádio, não aparecem na tv e claro, não vendem discos. A não ser para sujeitos como eu, igualmente indie.

Enquanto todos falavam de um tal RPM, eu ouvia Plebe Rude e a melancolia do Zero. Achava bonito essas bandas de preto em que os cantores, cantam olhando para o próprio pé com cara de vou me atirar do oitavo andar daqui a pouco.
Aos poucos esse jeito indie de ser foi extrapolando meu universo sonoro e se aplicando nas coisas mais simples de minha vida.

Passei a usar uma moda exclusiva. Tudo aquilo que as pessoas usavam não servia para mim. Se a moda era usar tênis, olha eu lá de sapato, inclusive na praia. Se no Reveillon, todos estavam de branco, olha eu lá urubusíssimo de preto dos pés à cabeça. Por quê? Não sei, talvez para chocar.Baile do Havaí? Todos com suas camisas floridas e bermudas brancas, eu de preto, mais uma vez, dos pés à cabeça. Um protesto sem nexo, nem razão. Uma revolta com algo que nem mesmo eu sabia.
Se uma música virava tema de novela, pronto, jamais a teria em casa.

Como só ouvia bandas inglesas, muitas vezes, pessoas questionavam:

- Você não gosta de nada da música brasileira?

Adorava que fizessem essa pergunta só para responder:

- Gosto. Gosto do Second Come, Pin ups, Borderlinerz, Killing Chainsaw... etc.

Eram nomes que as pessoas jamais tinham ouvido falar.
Isso ao longo do tempo foi trazendo problemas, pois estava ali sendo criado um ser diferente, com gostos e atitudes peculiares. Comecei a não mais ser convidado para churrascos com amigos, pois tinham medo que me irritasse com o pagode que iria tocar.

Deixavam de me chamar para sair, pois certamente não iria gostar de ouvir dance comercial que era a moda. O isolamento começou a ficar cada vez mais forte.

Hoje, sozinho, trancado em um frio apartamento no centro de São Paulo, me arrependo do ser que me transformei. Um ser indie, que não sabe fazer coisas simples como ligar para as pessoas e desejar feliz Natal. Um ser que por culpa própria se isolou tanto pela excentricidade que as pessoas não mais se sentem a vontade para convidar para uma ceia ou almoço, pois vai saber o que os indies acham do Natal.

Queria gostar do especial de fim de ano do Roberto Carlos, queria estourar rojão pela chegada do Ano Novo. Queria usar branco, gostar de pagode, de ficar sem camisa, de tomar Sol, de gostar de praia, de achar o Caetano o máximo.

Não sei como dizer, mas só gostaria de ser normal.

 

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