A DOIS PASSOS DO PARAÍSO
Mariazinha Cremasco
Esse coração
não consegue se conter ao ouvir tua voz
pobre coração
sempre escravo da ternura
(Borbulhas de amor, Fagner)
Eu andava apática nestes últimos três anos.
Passei bom tempo de minha vida presa a Arlindo Orlando. Não que tivesse esperanças de que abandonasse a mulher para ficar comigo - sempre me contentei com o pouco que tinha dele.
Sorria, era gentil, cercava-o de carinhos. Submissa, comportada, compreensiva. Ah, o que eu não fazia por amor. Ele retribuía como podia. Mas à medida que passava o tempo, ia ficando cada vez mais grosseiro. Parece que quanto mais eu o agradava, mais ele se irritava.
Nós nos encontrávamos, invariavelmente, aqui em casa. Eu queria sair, passear. Sabia que não seria possível freqüentar lugares públicos, mas ao menos um motel gostoso... Nada. Arlindo Orlando, nos quase cinco anos em que estivemos juntos, me levou duas vezes a um motel. E as duas foram desastrosas.
Na primeira, esqueceu de desligar o celular e a esposa ligou. Numa enorme crise, saímos às pressas, como dois ladrões. Parecia que a esposa o estava vendo, não apenas ouvindo. Na segunda vez, brigamos porque levei incenso e velas, que acendi enquanto ele estava no banho, querendo tornar o ambiente mais romântico. Ele odiava incensos. Tinha alergia. Mais uma vez fomos embora, com Arlindo bufando.
E eu me sentia culpada. Que desastrada fôra. Tomava toda a responsabilidade para mim. Era totalmente dependente do amor daquele homem. Decidimos, então, não mais freqüentar motéis. Estava tão bom em casa - ele argumentava - para que complicar?
E assim vivíamos.
Eu sempre esperando um telefonema, uma visita surpresa, uma carta. E ele tornando as visitas cada vez mais espaçadas. Não queria enxergar que o interesse dele estava cada vez mais escasso. Até que o inevitável aconteceu: Arlindo Orlando, mulherengo que era, não quis mais saber de mim, sua Sueli Aparecida.
Enrolou, disse que me amava e se afastava para não me fazer sofrer. Que esses anos tinham sido inesquecíveis, mas estava preocupado, queria o meu bem. "Você é jovem, pode ter alguém ainda, pode recomeçar sua vida, arranjar um outro amor". E se foi para sempre. Nunca mais telefonou.
Mas eu ainda acreditava na sua volta - não podia sequer imaginar que tudo o que vivemos juntos fôra para ele apenas uma aventura. Devia estar cansado, com problemas financeiros. Decidi esperar. O tempo que fosse necessário. Arlindo voltaria para mim.
Nada fiz para isso. Nunca liguei ou passei em frente ao seu prédio, como era minha vontade. Fui ficando cada dia mais triste. Não rendia no trabalho, minha casa, outrora tão limpa e cheirosa, estava uma imundície. Passava o tempo todo na cama, chorando, e olhando a TV, sem ao menos enxergar a programação. E dormia. Dormia muito. Dizem que um dos sintomas da depressão é o sono.
E então, numa segunda-feira em que estava péssima, decidi faltar do trabalho para dormir mais um pouco. Acordei às 9:30 com o toque estridente do telefone. Cabelos desgrenhados, olhos colados... hálito de pizza de alho, que comera na noite anterior. Mal sabia que esse telefonema, definiria minha vida, ao menos no que se referisse a Arlindo.
- Alô?
- Sueli, minha querida?
Sentei-me na cama, assustada. Colei o telefone ainda mais ao ouvido. Não podia acreditar no que estava ouvindo. Era ele, ofegante.
- Meu amor? Minha doçura? Me ajude, por favor?
- Arlindo, meu amor! Fala, o que você quer? Fala, meu bem. Diga o que quer de mim.
Arlindo, do outro lado, murmurava, eu poderia jurar que ele estava gemendo, estava excitado. Sim, ele estava excitado.
- Lembra como fazíamos antigamente? Fala pra mim, fala. Fala como fazíamos, querida. Me faça gozar. Eu quero você, faça daquele jeitinho que só você sabe fazer...
- Mas... onde você está? Em casa? Ligando do celular?
- Não faça perguntas! - disse imperativamente - faça o que peço.
E eu, sem questionar, fui dizendo coisas e me excitando também. Ambos ofegantes, falando de sexo, como se estivéssemos mesmo juntos. Fala mais meu amor, fala mais. Pega, segura, beija, assim... oh...
A respiração dele cada vez mais intensa e eu, cada vez mais feliz por acordar dessa maneira, ainda não entendendo direito o que estaria acontecendo, já divagava: ele vai voltar pra mim, ele vai. E pensando nisso, caprichava nas palavras, tudo para agradar o meu amor.
De repente, o silêncio...
- Amor? Arlindo? Gozou?
- Sim, querida. Obrigado. Gozei.
- Mas me diga, paixão... o que deu em você para me procurar nesse estado, a essa hora da manhã? Ai, que saudade, querido. Quando você vem me ver para fazermos tudo isso ao vivo e a cores? Sabe que nunca te esqueci. Sabe o quanto esperei esse momento...
- Pois é, Sueli... eu não sei
como dizer isso, mas... a verdade é que... bem... eu estou num laboratório,
fazendo um exame. Espermograma, já ouviu falar?
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