ADEUS É SÓ O COMEÇO
Luís Valise

 
 

- Às oito, então?

- Às oito.

- Um beijo.

- Outro.

- Tchau.

- Tchau.

Carolina olhou o relógio, onze da manhã, nove horas até encontra-lo pela última vez. Ligou para Laura, amiga fiel, confidente:

- Almoça comigo? Almoça, vai...

- Não sei, Carol, estou super-atrapalhada, preciso pegar as crianças no colégio, depois tenho médico de regime (menina, estou e-nor-me!) e ainda por cima estou fazendo aniversário de casamento, combinamos jantar fora e depois dançar, preciso fazer cabelo, mãos e pés, passar na loja da Glorinha e escolher uma roupinha básica, você sabe, aniversário de casamento, quero algo meio provocante, ele acha brega (no fundo é ciúme, ainda tenho uns pernões) algo de sêda, sabe como eles ficam quando dançam com mulher vestindo sêda, enfim, Carol, só de pensar já me sinto morta de cansaço, então dá pra deixar pra amanhã?

- É que eu estou pensando em terminar com o Caco. Jogar ele pra cima. Queria tua opinião. Mas já que é assim pode deixar. Vou ver se a Tita almoça comigo.

- A Catarina? Você enlouqueceu? Ela não é de confiança. Imagina!, um assunto desses não pode ser espalhado por aí, e ela é uma língua de trapo. Além do mais fui eu quem te apresentou o Caco, ele é "assim" com o Reinaldo. Tá bem, vou ligar pra minha mãe, se ela puder pegar as crianças eu almoço com você. Mas você tem que me contar tudo, certo? Tudo mesmo...

- Certo. Desculpe te incomodar, mas minha cabeça tá um lixo...

- Sei que você faria o mesmo por mim. Já te ligo de volta.

Laura chegou primeiro, e escolheu uma mesa nos fundos, onde teriam privacidade para falar à vontade. Estava excitada. A Carol devia estar louca, o Caco era tudo de bom. Viu quando a amiga entrou vestindo um jeans desbotado, uma camiseta preta com o rosto do Che em branco e uma gargantilha de prata com uma cruz de malta. Ela era elegante. Uma vez o Reinaldo disse que ela era falsa magra, que devia ter curvas suaves como um recôncavo, e então eu olhei pra ele daquele jeito que ele achou melhor parar por aí. Recôncavo é a minha xota! Depois dos beijinhos no rosto, o garçon puxou a cadeira e Carolina sentou-se em silêncio. Laura abriu os trabalhos:

- Duas caipiras de frutas vermelhas. Um cinzeiro.

Às três da tarde Laura não tinha mais perguntas a fazer. Carolina ainda desfiava seus motivos, e pelo que ela dizia esse Caco era mesmo um bom filho-da-puta. Nem sua grana, nem sua pinta, nem seu papo. Quando um cara é assim, não tem jeito. Mesmo quando ele é gostoso na cama. Carol tinha toda razão. Um belo pé na bunda era o que ele merecia. Sorte tivera ela! O Reinaldo era tudo o que uma mulher poderia querer. Legal, honesto, companheiro, um puta pai... Coitada da Carol, ia começar tudo de novo. Novas paqueras, saídas que não dariam em nada, trepadas cheias de arrependimento, tudo tão incerto! E já ia completar trinta e um anos, a pobre!

- Carol, eu acho que você está super-certa. Eu, no seu lugar, faria o mesmo.

- Obrigada por me aturar, Laura. Eu precisava desabafar com alguém. Espero não ter estragado sua noite.

- Claro que não, amiga! Vou correndo pro salão, depois passo na Glorinha, mesmo se me atrasar um pouco não tem problema. Ele espera sem reclamar. Isso é que é amor. (Depois se arrependeu por ter dito isso, era o mesmo que falar em corda em casa de enforcado).

Despediram-se na porta do restaurante, e Laura sentiu pena da amiga, ao vê-la se afastar com passos hesitantes e cansados. Coisas da vida...

No salão, Laura pediu um corte curto e algumas mechas claras. Queria surpreendê-lo. Saiu voando, passou na loja da Glorinha, viu um vestido de seda preto com debrum branco no decote em "V". Um zíper na parte de trás abria o vestido de cima a baixo. Não pode evitar pensamentos sacanas.

Ao chegar em casa a empregada preparava a janta das crianças. Sobre o aparador, um telegrama. Abriu com dedos apressados. Reinaldo mandava "beijos nesta data querida". Laura sorriu, "beijos pra você também, querido, e que seja assim para sempre". Correu para o banho. Levou o celular e fez bem, porque estava no chuveiro quando ele tocou:

- Oi.

- Oi.

- Te pego às nove.

- Certo.

- Te amo, Laura.

- Também, Caco.

 
 

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