A PORTA
Husky
Eu só me lembro do que eu disse.
E nunca tinha dito tanto. Não assim, de uma vez. Me lembro que comecei
a falar e você gaguejou junto comigo, porque nós temos essa mania
de completar as frases juntos. Releio isso que acabei de escrever e achei patético.
Patético porque é romântico e fofo, e nós somos românticos
e fofos. Ou somos ou nenhum de nós queria ser. Essa mania de completar
as frases... Às vezes quero te fazer sumir da minha frente (talvez não
precise mais pensar nisso, já que você sumiu da minha vida). É
tão invasivo, tão egoísta você saber o que eu penso
assim, provocantemente antes de mim. E talvez por isso, por adivinhar, nós
gaguejamos. E quase choramos. Quase. Ficamos quietos e fechamos a porta atrás
de nós. Mas o que eu já sabia, e sentia e doía, era que
aquela porta que nós fechamos fecharia todas as outras pela nossa frente.
A porta, aquela porta, era a única que nós atravessaríamos
juntos. E nós a fechamos juntos, numa frase muda. Na nossa certeza de
que tudo começara e terminara ali, no clique da fechadura. Na escada
eu já não dizia mais nada. Não porque não soubesse
o que queria dizer. Na verdade, eu não queria ouvir. Rezava mentalmente
pra você não adivinhar e talvez, só uma vez, seguir um raciocínio
completamente diferente do meu. E esperava que você se virasse, olhasse
bem pra mim e mandasse o resto do mundo pro alto. Queria que você discordasse
de mim, só daquela vez. Mas acabou que eu me vejo em pé com o
telefone na mão, olhando seu número. Eu nunca aperto a tecla verde.
Nunca. Porque eu tenho tanto, mas tanto, mas tanto pra dizer que não
saberia encontrar uma forma pouco piegas de começar. Então, é
isso, querido. Mesmo depois de tanto tempo, você vai ter que adivinhar.
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