SEM PALAVRAS
Daisy Melo

Não sei como dizer o que me solta a língua, o puro verbo. A coisa explicada e resolvida. Então, minto. Sou espelho truncado e adverso, metáfora indistinta, só para o meu uso. Me visto de adivinhação, cartas de tarô e folhas de chá. Nem sou assim sempre. Me reinvento colorindo de azul as mechas dos meus cabelos revoltos que cismam em se desmanchar.

Me perco nos sentidos impensados, turbilhão insentido. (E eu queria tanto que você me ouvisse...) mas não digo: grito.
Às vezes me possuo, sou minha, me basto. Às vezes me possui, sou tua, me basto. Mas sempre tenho medo. De não te bastar. De não ser mais essa ou aquela. Nem tampouco aquela outra. A que não é. Tenho medo de não me dizer. Me divido em multicores, pregando miçangas nos meus contornos, refazendo meus bordados desbotados em tiquinhos de seda e algodão. Tenho medo de me esquecer nos tais remendos e então me construo, me finjo patchwork e costuro o tempo, me cerzindo como um frankestein melancólico. Minha solidão é minha e eu a reinvento, a refaço, penélope à espera , em todos os amanheceres.

Se o vento sopra e me enverga, me recomponho em cata-ventos; e por você, meu moinho, minha tormenta, meu enche-ventre, meu estufa-bucho, me desfaço em gotas. Perfume volátil, inflamável como deve ser.

E se sofro de coisas de entristecer, choro o pranto da vida toda e tanto que me esvaio que me dá dó. E aí, sou dor. Pura e simplesmente. E choro tudo de novo com pena de mim. Mas depois me recomponho, assôo o nariz, um lexotan rosa perdido no criado mudo mapeia meus percursos, até que gargalho todo o riso da vida que me escorre, me encharca do mar ansiado, que é só seu, pois eu não sou. Não mais, marinheiro.

Tenho medo de não saber o que fazer. Então não digo o que não tenho para dizer. E lixo a unha e aparo o verbo, finjo que não existem arestas, planeio as serras, varro as terras, replanto as mudas. As que vivem e as que morrem ressequidas.
E me desarrumo. Me viro do avesso. Revido da vida, me vingo. Me levanto feito mastro e estandarte me aprumo. Vagueio ... no fundo, só verbo. Levemente errante, levemente açoite.

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