FRASE DE PÁRA-CHOQUE
Ubirajara Varela

 

Todo mundo me pergunta porque eu comecei a escrever. Não sei muito bem o porquê. Desde criança eu já possuía uma veia literária, uma espécie de necessidade íntima, que me levava a compor pequenas narrativas fantásticas, apoiando-me no universo em que vivia. Se você perguntar para qualquer escritor famoso, todos eles terão uma explicação bem substancial, às vezes metafísica, filosófica, sobre como e porquê iniciou o seu trabalho. Para mim, isso não passa de mais uma ficção. As pessoas escrevem pela mesma razão que comem ou dormem: necessidade. No entanto, particularmente, eu me tornei poeta, não porque tinha fome de escrever, mas porque me encantou o poder de sedução que cada palavra continha, uma espécie de arma a meu favor.

Usando dessa arma sedutora, aproveitei-me para conquistar algumas mulheres. Sempre fui muito mulherengo. Aliás, posso me gabar, poucas foram aquelas que resistiram ao meu palavreado bonito, aos meus sonetos românticos e inspirados, com uma certa dor de saber a sina de todo amante, que é fenecer no seio da amada. Ah... mulheres, desculpem-me, mas vocês são muito ingênuas. Como alguém pode deixar-se levar por meras palavras de um homem galanteador? Eu próprio não entendo.

A maior prova disso, para mim, foi Lúcia Helena. Uma belíssima mulher, metro e setenta, corpo malhado, pele sedosa. Tinha uma face de princesa e um ar de tarada: maravilhosa! Nosso primeiro encontro se deu numa livraria. Ela estava a procurar um livro sobre poesia, um presente para uma amiga, e eu por acaso naquela seção. Pediu-me ajuda, achou que eu entendia do assunto. Claro, pois não, disse-lhe com um sorriso maroto.

Pelo seu embaraço pude perceber que Lúcia Helena não entendia nada de poesia, seria uma vítima perfeita. Ela, a minha amiga, gosta dos poetas nacionais, disse-me. Você conhece Augustu Cantante - inventei naquela hora, o primeiro nome que me veio à mente. Não, nunca ouvi falar. É bom? Se é bom? Modéstia à parte, é ótimo. Sou eu mesmo. Na verdade é um pseudônimo, meu nome é Eduardo. Prazer, Lúcia Helena. Prazer. Me explica melhor esse negócio, poeta, você? É.

Durante umas duas horas envolvi aquela ingênua mulher com citações, explicações, aforismos e muita embromação. Ela parecia encantada com os meus conhecimentos, sem saber que a maioria dos poemas que dizia serem meus, eram, na verdade, de poetas conhecidíssimos, como Drummond, Vinícius, Quintana, Cecília, e por aí vai.

Convidei-a para um café, a fim de continuarmos nossa conversa mais sossegados. Ela concordou, mas precisava escolher antes o livro para a amiga. Eu disse que lhe cederia um dos meus. Ela meneou, mas acabou concordando, depois de uma menção à Neruda.

Conversamos por mais umas duas horas, tudo saindo conforme manda o figurino, ela estava caindo direitinho no meu papo. Depois do sétimo chope, arrisquei: vamos para o meu apê, quero lhe mostrar o meu mais novo projeto, um passeio sobre a literatura brasileira através da poesia. Lógico que ela negou. Porém eu contei-lhe que era um segredo - as mulheres adoram segredos, não há uma que não sinta uma coceira, a menor que seja, na hora que ouve tal palavra -, ela aceitou.

No apartamento foi fácil. Mostrei-lhe no computador um ensaio literário sobre o assunto, ela ficou impressionada. Claro que não era meu. Ela nem desconfiou. Agora quero que você escute esse meu novo poema. Ela atenta. Fui me aproximando, envolvi-a, olhos nos olhos, logo estávamos no quarto, esquecidos dos poemas, das virtudes, da razão.

A noite com Lúcia Helena havia me cansado, durou toda a madrugada. Ela já tinha se levantado, pegado suas coisas, deixado meu apê. Só depois de tomar um café preto - eu tenho essa mania de tomar café puro como desjejum, antes de comer qualquer coisa -, que pude perceber que o apartamento estava limpo. A vigarista tinha levado quase tudo que eu tinha, televisão, DVD, todos os meus cds, roupas, eletrodomésticos, deixando somente uma pilha de livros sobre a mesa com um bilhete.

"Caro Eduardo, o sexo foi ótimo, mas o negócio vem em primeiro lugar. Sorry, baby. Nada pessoal. À propósito, você quando escreve, ou melhor, o Augusto Cantante parece muito com estes poetas que deixei sobre a mesa. O que me diz? Coincidência? Acho que não, não acredito nisso. Também não foi coincidência o nosso encontro, fazia tempo que te espreitava. Beijos, L. H."

Sobre a mesa estavam livros de Drummond, Vinícius, Quintana, Cecília, Neruda e alguns outros, que eu havia utilizado para seduzi-la. Aquela cachorra!

Fiz ocorrência policial, chamei um amigo detetive, chorei no colo da minha mãe, enfim, gastei o dia inteiro acionando quem eu podia, na tentativa de solucionar o caso. Em vão.

Quando a noite vinha caindo, resolvi parar numa praça para ver a lua nascer. Estava numa de suas fases mais bonitas para mim: Cheia. Por ironia do destino, um caminhão estacionou bem na frente da minha vista. Fiquei irritadíssimo e fui reclamar com o motorista que nem me ouviu. Indignado com minha falta de sorte, fui para o fundo do caminhão, para continuar a apreciar a lua e tentar esquecer Lúcia Helena. Foi aí que eu vi a frase de pára-choque:

"Tentei enganar o diabo, ele nem percebeu; fui enganar a mulher, o enganado fui eu!"

Ironia pura do destino travesso.

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