FASES DA LUA
Samuel Silva
Nova e cheia,
nua, crescendo à mingua... Não se diga que sou
despudorada ou depravada, se apenas torno e retorno ao mesmo ponto a cada tempo
em que me renovo, envelheço e descubro que estou de novo, como sempre. Vão-se os
anos, o tônus e os cabelos naturalmente loiros, mas vem o futuro e se torna
presente e o que antes era agora, foi... Se não são mais rijos os seios
compensa o carinho de dá-los à boca de quem prezo e me preza. Se embranquecem
os pelos, vem a paciência de pintá-los e a alegria da
transformação, da escolha, uma cor e um corte diferentes.
Viver não é
ser, mas transformar-se, sabem-no tanto as borboletas quanto qualquer outro
bicho e mesmo as plantas e plâncton. Reservo-me o direito e, mais, o dever
natural de não ser sempre eu mesma do mesmo jeito, e como a lua, me alterno,
estavelmente volúvel, e como ela, a cada vez que volto a ser uma de mim que já
fui, não me repito, alcançando formas e conteúdos diversificados, luzes,
reflexos, matizes e nuances que se vão desvelando.
Desculpe-me uma
certa repetição, mas até quando digo palavra já dita, uso outra entonação,
vario o sotaque, percebe? Quando me sinto jovem, sou jovens múltiplas, numa
juventude sou Ana, noutra sou Gertrude e depois Miriam e então Luísa. Quero
amar, namorar, ficar, flertar, negar-me a um para dar-me outro e quando volto
presenteio o rejeitado de ontem com o regalo que não dei ao de hoje.
Quando então
cresço e amadureço, não me faço de beata, mas ajoelho e sou assim senhora dele,
ao rezar aquela oração que os homens tanto querem em sua ilusão de domínio,
ora, que besteira!, se quem
controla está agachada e quem obedece está de pé ou sentado com aquele ar de
entrega e abandono gozado.
Vou me saciando
de gentes e coisas, engolindo, digerindo e cuspindo pensamentos e experiências
que irei digerir em lembranças amiudadas e inventadas nos detalhes e isso vai
me acabando, vou sumindo de festas e bares. E há o dia em que me recolho,
esqueço sexo e desejo, não lembro nem de lareiras ou vinhos, sumo e ninguém me
acha ou vê, ainda que esteja onde de nunca saí, não atendo porta, campainha ou
telefone, me escondo em mim encasulada, enclausurada em meu pequeno
apartamento. Teço seda, teço teia, me satisfaço comigo e não ilumino nem
reflito, apenas permaneço e deixo passar o tempo, que ele preenche e cura, e
também medito, penso em mim e nas várias mins que
coexistem às vezes pacíficas, outras belicosas, sangrentas... Faço sexo,
poesia, trepo as palavras em haicais, leio Melville e
Hemingway no alto de uma montanha, em Copacabana acho
minha Heidi. Trabalho, discuto,
almoço e janto, meu chefe, meu aluno, ensino e aprendo que viver não é ser sol,
mas lua.
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