DOMINGO AMARELO
Mariazinha Cremasco

 

Ver o sol amanhecer
E ver a vida acontecer
Como um dia de domingo

Um dia de domingo, Tim Maia

 

Maria José estava feliz, radiante.

Pensava em como a vida era boa. Tomou um demorado banho, depilou-se, usou seu perfume preferido, preparou mimos e lá se foi, feliz da vida, encontrar com José Maria.

Nem o trânsito caótico da cidade irritou Maria José, que com ar condicionado ligado, vidros escuros fechados, ouvia o CD que ambos elegeram como "seu CD", suas músicas. Músicas essas rotuladas "bregas" pelos mais refinados. Mas nem ligava. Aprendera a gostar de músicas simples com ele. Segundo as amigas, Maria José não era mais a mesma - onde já se viu ouvir "esse tipo de música?". Ria desses pré-conceitos. Ah, como era bom livrar-se de algumas "verdades". Cantava e dançava ao volante. Falava sozinha também. Aliás, essa era uma característica, uma mania dela. Falar sozinha. Sempre se reprimira por isso. Mas a partir do dia em que conhecera José Maria, não mais se reprimiu. Descobrira com ele que podia tudo. Falar sozinha e gesticular, sem se importar com o que pudessem pensar, era o mínimo. Intuitivamente, desde menina, soubera usar o corpo, mas foi com ele que aprendeu a valorizá-lo. Que seu corpo era único e perfeito, não importando os padrões de beleza ditados. "O corpo é seu maior instrumento", ensinou. Por isso, ela dançava.

Dirigindo, pensou: se não fosse pelo trânsito intenso e o rodízio de carros, poderia jurar que era domingo.

Quando menina achava que os domingos eram amarelos e felizes.

Hoje, estava feliz e o dia parecia amarelo. Amarelo em plena quinta-feira de tráfego intenso. Estava feliz por ter José Maria. E sabia, que ele, vindo em sua direção, sentia o mesmo. Ela era sua Amiguinha, seu amor, seu acalanto, seu bálsamo. Amava ouvi-lo dizer tudo isso. Tanto Maria José como José Maria sabiam que se o encontro deles tivesse acontecido anos antes, se tivesse virado casamento, talvez, ou muito provavelmente, estariam na mesmice dos casais, naquele ranço de vida, quando o amor acaba e sobra apenas o "suportar" terrível.

A rotina do casamento.

Teriam grande chance de ser como os outros casais - Inimigos íntimos, ou apenas bons amigos, para cumprir os chavões. Melhor assim - solteiros - cada um no seu canto.

Nessa tarde amarela de uma quinta-feira que parecia domingo, se encontraram com festa no olhar. Sim, seus olhos estavam festivos, pois não era sempre que podiam dar-se ao luxo desses encontros. Ambos ocupadíssimos tentavam resolver de alguma maneira a dificuldade (embora lá no fundo, Maria José soubesse que um homem atrelado à mãe e irmãs, era pior que homem casado. Bem no seu íntimo, sabia que ele não deixaria a mãe, como sabia também que ela não deixaria o filho do primeiro casamento, ainda que ele fosse adulto o suficiente). Enquanto isso, aproveitavam ao máximo cada encontro. E Maria José via os dias de encontro, amarelos como os domingos da infância. Falaram sobre isto mais tarde.

José Maria perguntou: "Se estivéssemos juntos há anos, morando na mesma casa, estaríamos assim?".

Ele achava que não. Ela concordava. Mas sabia que hoje, na maturidade em que se encontravam, no amor que sentiam, não se largariam. Fariam tudo juntos. Desde o mais simples jantar, como um arrozinho branco e franguinho de televisão de gato, ao sofisticado restaurante que às vezes freqüentavam. Uma caminhada na orla da praia, um passeio de bicicleta, ou ainda uma corrida louca e alucinada num cavalo de aço, onde os dois, insensatos, abririam os braços ao sabor do vento, e olhariam ao mesmo tempo na mesma direção.

Mais tarde comentariam sobre a lua, achando-a sempre linda, não importando em que fase ela se encontrasse.

Seria sempre a dos domingos amarelos do amor.

 

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