LUA MINGUANTE
Marcelo Paradyse
Decididamente
não conseguia escrever. Já havia horas em que olhava para o papel que insistia
em apresentar apenas os pequenos riscos nas extremidades e aqueles
quadradinho imbecis no topo. Começou então a concentrar-se apenas na
idéia de descobrir o porque de tamanho vazio mental. Os olhos perdidos, encontraram então, no calendário, a explicação para seu
eclipse intelectual. Era a lua. Poderia estar gozando agora de mais um momento
de intensa produtividade, cabeça cheia de boas idéias, envolta em uma crescente
atmosfera de criação, cada minuto uma nova inspiração. Mas não.
Astro danado,
corpo celeste sem sentimentos, satélite sem vergonha que naturalmente minguava
sua inspiração. Desejou o comando da Apollo 11 naquele instante e, ao invés da
bandeira uma estaca, que pelo menos uma pontada pudesse retribuir a tortura de
sua frustração.
Fácil ficar lá
de cima, toda imponente, vendendo sonhos pra casais apaixonados, despertando lobisomens,
se metendo com as marés, dando pitaco em cortes de
cabelo. Existência mais insignificante, criatura fria, não passa de um mero
reflexo de queijo suíço no fundo de um lago. Pegou a caneta e passou a tintar o papel com sua indignação sobre o Astro que
atormentava sua noite.
Não devia ao
menos estar escrevendo sobre ti. Já recebestes o suficiente das mãos de Wells, Julio Verne, Dante e outros. Deve estar pensando
como daí pareço tão pequeno.
Um pequeno
passo para o homem, um grande passo para a humanidade.
Passo a passo
as letras foram formando uma órbita mais agradável,
com um brilho mais radiante, numa fase menos sombria.
As folhas de
escritos sobre a lua vão se empilhando na mesma velocidade em que a mente
consegue ligar a figura do dito astro às mais diversas inspirações da
humanidade.
As mãos largam
a caneta e se erguem para alcançar o velho livro. A verdadeira História; de Samosata. Em seguida, encaixam no antigo aparelho o vinil e
a Lua de Prata; de Gal Costa. Mistura mais lunática.
Um último ponto
sela a sua mais extrema experiência com a Rainha da Noite. Ele ouve o findar da
melodia observando o livro sobre a escrivaninha e respira fundo.
Quando sorrindo
vai até a varanda, e contempla a mais linda de todas as luas cheias. Incrédulo,
volta às pressas para sala e observa o calendário. Volta a sorrir quando
descobre que era abril e não maio.
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