A TANTÃ
Fernando Zocca
A pinga ruim
origina sangue mau, produtor dos humores nocivos, que
ocasionam pensamentos nefastos, realizadores das ações condenáveis.
Lá ia eu,
naquela segunda-feira, caminhando de volta pra casa, pensando nessas palavras hauridas
dum texto legal que lera na biblioteca, momentos antes, quando ao olhar pro
chão, vi uma nota de R$ 10,00 (dez mangos), bem
novinha. Andava ainda a pé visto que os devedores não se dignavam a honrar seus
compromissos antes assumidos. Ora veja!
Atravessava a
praça quando fui abordado por Gilberto, que esbaforido, sugava a última tragada
do cigarro finalizado. Ele vinha contar-me as novidades ocorridas na noite
anterior. Ele falava:
- Você não viu
o que aconteceu ontem à noite ali na esquina, no bar da Nega Loló? Ante minha negativa ele foi logo arrematando: Uma tal
de Ângela-porra-louca, tentou
lançar um coquetel molotov contra um grupo de
pinguços que bebiam ali dentro. Chamaram a polícia e a prenderam. Foi o
Silveira quem viu primeiro a bunduda acender o
fósforo. Na delegacia de polícia Ângela disse que fora agredida por Nega Loló com um tapa na cara, e que com o incêndio, desejava
vingar-se.
A incendiária
havia brigado com umas bichinhas narigudas, momentos antes num outro bar. As
duas malévolas saíram dali e foram chorar as pitangas pra Nega Loló. Esta enviou um sujeito, que tinha boa figura, ao
local dos fatos, onde convidou Ângela a tomar um aperitivo com ele, ali no bar
da esquina. Quando chegaram lá, a Nega Loló deu-lhe
um tapa na cara, que a neguinha rodopiou nos
calcanhares. A infeliz nem sabia porque estava apanhando. Quando Gilberto fez
uma pausa, pra respirar e fixar melhor sua dentadura, teimosa em desgarrar-se, pude lembrar-me dela: Ângela foi uma revoltada moradora
numa casa tão ruim, mas tão ruim, que quando deitava pra ouvir seus discos
favoritos, as chuvas torrenciais que, de vez em quando desabavam lá fora,
entravam quase todas, telhado adentro, pelas goteiras horríveis. A infeliz
tinha tanto azar que até folhas e pedaços de galhos penetravam nos furos
escancarados cutucando-a.
Na noite dos
fatos, um dos seus últimos atos, foi o de comprar um litro de gasolina e achar
uma caixa de fósforos cheia. A partir daqueles momentos Ângela faria parte dum
grupo enorme de mulheres atormentadas, candidatas à internação psiquiátrica no
sanatório do doutor Brady Kardia,
conhecido como o médico "mais melhor de bão" de Tupinambica das
Linhas (terra de pamonhas), o trecho do universo reconhecido mundialmente como
o lugar que concentrava a maior quantidade de loucos por metro quadrado de todo
o restante do Estado de S. Paulo.
Lá no hospital
Ângela conheceria um enfermeiro pançudo que lhe sussurraria, com voz lasciva,
muitas vezes, ao pé do ouvido: "Descobrir a beleza dos outros não é só
desnudar modelos lindíssimas, você sabia... meu bem?" Ângela teria,
durante o tempo em que viveria segregada, da sociedade
eugênica, o apoio duma enfermeira formosa e redonda, saudada pelos
companheiros como a magnânima jaca joy do pedaço.
Quando saiu do
hospital, num dia ensolarado, ela confundia orelhas com olheiras; não divisava
a diferença entre cadelinhas mimadas e crianças de colo.
Para ela,
depois da internação, o confronto de bonecos era "o beijinho que ela
deveria dar no seu irmão encarquilhado e barrigudo". E fixação anal, bem
que não poderia ser calcinha grudenta.
Depois que se
reintegrou na comunidade, desejava tanto praticar a telepatia que, oculta no
quarto nebuloso, provocava os vizinhos dirigindo-lhes palavras obscenas e
quebrantadoras. Ela não dormia, se antes não praticasse o mal contra alguém.
Mas em decorrência disso amealhou muita inimizade. Houve um tempo em que tinha
mais inimigos do que cabelos na cabeça.
Num de seus
delírios paranóicos compôs um plano do qual fazia parte a
criação da BAS - Bomba Atômica of Shit -, com a qual
pretendia vingar-se dos atormentadores, fazendo voar titica pra todo lado.
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