TALISMÃ
Elaine Brunialti
Sobre a cama
desfeita deixou o antigo pingente, onde um dia se encontravam quatro pequenas
luas. Hoje restava apenas uma, a negra, a nova que incoerentemente não
representava o novo, o reinício e sim o fim, talvez por isso negra...
...julho corria tranqüilo e frio, o silêncio da noite era
quebrado apenas quando as ondas arrebentavam ultrapassando o quebra-mar, fato
comum nas noites de lua plena, e ao
atingirem seu clímax com um enorme estrondo costumavam causar medo. Apreciar
aquele momento do alto do penhasco era o melhor que se podia fazer antes de se
romper definitivamente com o passado. Ao longo daqueles dez anos pouco havia
mudado naquele cenário, as luzes distantes da cidade à sudeste e a esquerda a
pequena vila de pescadores hoje quase extinta. Minha alma voltou aos dias em
que a vida não era nada mais senão riso e brincadeira, férias eternas, entre a
pequena aldeia e o imponente chalé do alto da Escarpa Carmim, como era chamada
a falésia que se erguia majestosa há poucos quilômetros da vila. Agora a visão
da casa não passava de um fantasma que tentava desesperadamente se manter
erguido, tentando inutilmente escapar do tombo fatal e ali também morreriam
todas as recordações que agora a faziam sofrer.
Tudo havia
começado com o pequeno talismã e tudo terminaria com ele. Por 10 anos viveram
tudo que poderia ser vivido e fizeram tudo o que
poderia ser feito para eternizarem a felicidade, onde destino era traçado, onde
as paixões eram vividas, onde não se esperava por nada nem por ninguém. A vida
era assim sem cobranças, sem traumas, sem medos, sem pecados. A vida era vivida
e vívida, como costumavam dizer.
A única regra:
a verdade, fosse ela qual fosse.
Daí o talismã,
um pingente, quatro luas, quatro fases, quatro vidas uma para cada lua, unidas
pelo amor e pela verdade.
A primeira lua
se foi quando Ana se apaixonou, foi-se a lua cheia, Raquel que um dia foi
crescente trocou com Maria, pois queria ser minguante para morrer, mas longe
dali sobreviveu. Maria me jurou amor eterno, fosse a sua lua qual fosse, mas ao receber a
lua crescente desejou que lhe crescesse o ventre como a lua que tinha no peito,
para isso outro amor e o ventre livre para conceber. Assim fiquei nova e só,
revivendo todas as fases que agora só a mim pertenciam e que minhas lembranças faziam sempre se renovar. A pouco, soube que
minha Maria, meu bem querer e todo o seu brilho crescente também se foi. De seu
ventre outra Maria brilhou, mas o destino impiedoso em troca a levou. Assim de
nova me fiz lilith. Nada me resta senão abandonar
vida, me entregando a noite fria, a fase negra onde nada existe, onde nada
temerei, onde a saudade não existe e o amor perecerá para sempre. Na cama o
último sonho de amor, o último fantasma, a última gota de perfume e última
lágrima de saudade, a última esperança do retorno. Em algumas semanas sentiriam
minha falta. Na casa encontrariam uma cama desfeita,
uma foto em preto e branco rasgada e um pingente onde uma lua nova jazia
sozinha. Talvez procurem por mim, talvez não, afinal sempre dizia qualquer lua
dessas partirei também...
Sobre a cama
desfeita deixou o antigo pingente, onde um dia se encontravam quatro pequenas
luas, quatro vidas, quatro amores, restou apenas uma - a negra.
Na pequena vila
de pescadores corre a lenda de que aquela que não aceitou a verdade e se matou
por amor, vaga errante através das falésias nas noites de lua nova a espera de
sua Maria.
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