AQUELA NOITE
Adriana Vieira Bastos
Era um homem metódico, pragmático. Tinha um objetivo traçado. Estava prestes a alcançar o topo de sua ascensão
profissional. Não podia dar-se ao luxo dos prazeres mundanos. Aceitava o preço
a pagar e, consciente de sua escolha, seguia calmamente os seus dias.
Quando lhe
perguntavam se não se importava com a solidão, respondia nunca estar só. "Workaholic" assumido, fazia do trabalho a grande
paixão de sua vida.
Amor? Não
acreditava no amor! Muito menos em ridículos arroubos de enamorados, sob o
luar. Tinha mais o que fazer...
Assim pensava
até aquela noite. Sentado em sua cadeira presidencial, assustou-se com o clarão
da lua invadindo toda a sua sala. Um calafrio percorreu-lhe o corpo.
Incomodado por
sua súbita desconcentração, achou melhor dar por encerrado o expediente.
Como que
hipnotizado, dispensou o motorista, entrou no carro e deixou-se conduzir pelo
clarão daquela lua misteriosa. Horrorizado com sua conduta, incompatível com
seu padrão preestabelecido, entrou num barzinho, procurou um lugar discreto e
pediu um whisky duplo. Precisava refazer-se deste aparente descontrole.
Quase engasgou
ao deparar-se com uma mulher linda, desnudando-o com seu olhar verde e sedutor,
pedindo para sentar-se ao seu lado. Perspicaz, acostumado as negociações do
mercado financeiro, surpreendeu-se ao não saber como lidar com aquela mulher
enigmática.
Tentando
recuperar o controle da inesperada situação, resolveu atordoá-la de perguntas
frias e desagradáveis, para desencorajá-la a permanecer ao seu lado.
Como resposta,
ela simplesmente deu-lhe um sorriso. O suor invadiu-lhe a face, tomando conta
de seu corpo trêmulo e inseguro. Não sabia o que estava lhe acontecendo.
Precisava por um fim nesta história sem pé nem cabeça.
Mas algo o
impedia. Relutante, porém, totalmente enfeitiçado, abandonou-se aos seus
encantos, deu-lhe a mão e deixou-se levar para um mundo que não era seu.
Caminharam silenciosos até uma construção antiga, numa rua deserta da cidade.
Ao entrarem no
local, ela o olhou profundamente, como se o conhecesse mais do que ele a si
mesmo. Tranqüilamente pegou um cálice de vinho, acendeu um incenso, criando uma
atmosfera mágica entre eles.
Como um menino
que descobre o sexo, deixou-se levar pelo ritual daquela mulher e descobriu o
amor. Quando chegaram ao clímax, o quarto inteiro iluminou-se pela luz do luar.
Ao findar a
madrugada, ela se vestiu, esperou que ele se vestisse e o levou de volta a
porta do bar onde se encontraram. Sem uma palavra, olharam para a lua, trocaram
um sorriso cúmplice e despediram-se.
Vivera naquela
noite o que não tinha vivido até aquele dia.
Hoje, ele não
viaja e nem marca compromissos de trabalho na fase da lua que deu um novo
significado à sua vida: Lua Cheia. Nessas noites, volta ao bar, senta-se no
mesmo lugar e permanece a espera da sacerdotisa que tomou conta de seu coração.
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