PORTA-RETRATOS
Raquel Santos

Josimilson era fanático por fotos. Não era fotografo e nem tinha vocação para isso, mas estava sempre com uma máquina fotográfica nas mãos, onde quer que fosse.
Era uma máquina amadora, simples e ainda quebrada no compartimento das pilhas, de forma que ele usava uma fita adesiva para amenizar o problema. A situação financeira não permitia que comprasse uma máquina de melhor qualidade, mas para ele o mais importante era registrar o fato, imortalizar o momento.
Guardava suas fotos de infância cuidadosamente em um álbum antigo e sempre se propunha a revê-las para “lembrar-se” daquela época. Boa memória tinha nosso colega. Demonstrava as fotos e narrava os fatos de seu nascimento com tanta verossimilhança que muitos chegavam a acreditar que ele realmente se lembrasse.
Todos os acontecimentos de sua infância e adolescência também foram registrados e cuidadosamente catalogados: formatura da pré-escola, vitória no jogo do campinho contra o time da rua de cima, primeiro tombo de bicicleta, primeiro beijo (parece mentira né? Mas ele fotografou.), primeira namorada e tudo mais... Josimilson ficou meio frustrado quando a garota não deixou que alguém fotografasse os dois nus na sua p rimeira noite de sexo, mas insistiu que ela deixasse uma câmera filmando a cena, prometendo que a filmagem ficaria guardada às sete chaves.
Seus amigos o aconselharam a parar com essa mania, mas não adiantava; ele sempre alegava que queria se lembrar de todos os momentos de sua vida, momentos estes que não voltariam mais e que a maioria não ficaria guardada em sua lembrança, pois sabia que um dia a velhice lhe chegaria e com ela a perda de memória. Outro motivo convincente dado por Josi era que fotografando tudo, estava registrando a história de sua vida e contribuindo para a história universal. No futuro, os historiadores poderiam encontrar todos estes registros e por meio deles estudar seus antepassados.
Fotos e mais fotos: namoro, noivado, casamento, gravidez da esposa (cada centímetro que crescia sua barriga era motivo para uma nova foto), parto de seu filho, primeiro banho, batizado, troca dos dentes de leite...
O menino foi crescendo e acompanhava o pai nessa mania. Também adorava fotografar e repetia mais ou menos o que papai falava: “Para que tudo fique imortal”.
Não passou muito tempo, o pai de Josimilson faleceu e a tristeza abateu-se sobre aquela família, porém, ainda assim, fotografou tudo: preparação do corpo, velório, sepultamento e lápide. Ninguém acreditou que seu fetiche por fotos chegasse a esse ponto e alguns o julgaram louco.
O desfecho desta história?
Seu filho não quis mais saber de fotos, afinal era uma mentira que elas deixavam tudo imortal: “se fosse assim o vovô não teria morrido”.
Sua esposa pegou as malas e voltou para a casa de sua mãe, pois não conseguiria dormir com a foto de um defunto no caixão colocada cuidadosamente em um porta-retratos na cabeceira de sua cama.
Josimilson não se conteve e disse: “Espere, não saia antes de eu fotografar o momento do nosso divórcio”.

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