JOÃO E A MORTE
Patricia Lopes

João queria viver para sempre.

Construiu uma casa de certezas tão duras que até o vento mais forte ia ter preguiça de derrubar.
Colocou cercas com nãos por toda a parte para o medo passar bem longe.
Fech ou as janelas para o tempo não sair voando e o ralo para a idade não escorrer por ele, no banho.
Inventou labirintos para a morte se confundir e ir parar em alguma guerra, num avô de 90 anos, em qualquer hospital, qualquer vida, menos na dele.
E usou uma máscara diferente a cada dia para que, se ela o encontrasse, não o reconhecesse de jeito nenhum.

João precisava se proteger.

Então, naquela casa, não se ouvia barulho de briga, de choro, de cachorro, nem de despertador.
Tudo podia fazer mal.
A vida era cheia de bactérias, de fumaça, de raiva, de tempestades.
A vida era muito perigosa e João queria viver para sempre.
Então João não casou, não teve sarampo, não levou susto, não mentiu pro pai nem nunca andou de bicicleta.

João até que se protegeu muito bem.

Só se esqueceu de um lugarzinho.

De tanto fugir, se esconder e se preocupar, João deixou o coração vazio.

E, assim, um dia, a morte chegou lá, no único lugar que e le tinha esquecido.
E a morte é dessas visitas chatas, que chegam e não vão embora de jeito nenhum.

Mas João nem se deu conta. Estava muito ocupado em trancar a casa, fazer as malas, olhar o relógio e pensar o que ia dizer para ela quando ela chegasse, se ela chegasse, por onde ela poderia chegar, meu Deus?

Então ela chegou.

E as palavras se esconderam, o tempo voltou correndo em forma de passado, o medo espalhou seus pequenos demônios todo animado. A angústia, a espera e as dívidas empacotaram suas exclamações e suas reticências e foram embora juntas, procurar um novo dono.

Só a dúvida ficou.

E João morreu assim, como todo mundo.

João queria viver para sempre.

E acabou não vivendo nunca.

 

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