AMOR EM TELA
Juraci
Anne trabalhava todos os dias como secretária em
uma empresa de exportação. Era sozinha. Teve pouco tempo para
os estudos. Formou-se em Artes Plásticas na Universidade de Ouro Preto,
rece ntemente. Qualquer minuto de folga se lambrisava com as tintas pinceis
e pranchetas.
Um dia resolveu abandonar tudo e dedicar-se somente a sua arte, pintar quadros.
Alheia a abraços e beijinhos guardou o cheque do acerto de conta na bolsa
e foi para casa.
No caminho, um anúncio chamou-lhe sua atenção:
Vende-se sítio, Natureza Viva.
Pensou: - Certamente é aqui que eu vou. Tomara que dê negócio.
Tomou nota do telefone e já na semana seguinte estava de muda para o
sítio. Coisas que caem do céu como nos contos de fada murmurava
para si.
Casa simples, mato alto e abundante perdida na natureza, do jeito que imaginara
para criar nova arte. Mata cerrada. Sossegada e tranqüila. Buganvília
protegia a paisagem. Cerca florida, ar agradável. Paraíso agora
dela!
Embrenhou-se pelo quintal-jardim em flores perfumadas. Entrou na casa pela porta
dos fundos. Analisou canto por canto e sentiu-se vitoriosa pelo empreendimento
adquirido. Agradou-lhe os móveis antigos, ainda empoeirados, mas de bom
gosto. Apalpou o sofá com a ponta dos dedos, deixou o corpo cair nele
e apreciou a maciez aconchegante. Fechou os olhos para um pequeno descanso.
Precisava colocar tudo em ordem, seus pensamentos, sua vida desorganizada. Mal
conseguia acreditar que tudo aquilo estava acontecendo. Levantou-se, ajeitou
a cozinha e preparou algo para comer. Sentia fome e vez por outra um arrepio
por estar naquelas paragens desconhecidas. Tudo estava acontecendo assim, repentinamente.
Até assustava...
Dia seguinte, levantou-se cedo. Enquanto aguardava alguns pertences que chegariam
pelo Maria Fumaça, reconhecia com mais profundidade a terra
adquirida. Como o trem se atrasava, apanhou sua prancheta e rabiscou, como nunca,
aquela paisagem. Era a sua primeira arte daquele recôndito. Os dedos firmes
esqueceram o medo e conduziram o lápis, os pinceis a reproduzirem uma
mistura de alma e natureza. O seu interior caía na tela em profusão.
Fascinação! Interior e e xterior se confundiam. Os raios solares
infiltravam na mata matizando galhos, folhas e flores. Anne captava com maestria
os pigmentos de planta e vida. Pela primeira vez na vida, sentiu-se contente,
quase realizada. Encontrara o que procurava.
O apito da locomotiva lembrou-a que lhe bastava por hoje.
Quando já se preparava para entrar, percebeu que não estava sozinha:
- Pelo jeito gosta de retratar o belo, - comentou o rapaz descendo da moto.
Anne olhou para ele e sem responder fez menção de entrar.
-Ah, deixeme apresentar: - Sou o Pedro, seu vizinho. Lido com gado de
corte e nas horas vagas retrato o mundo físico, na tela.
Houve um espaço de puro silêncio e, a reação. Com
indiferença, Anne respondeu, ok e entrou sem convite ao moço para
fazer o mesmo. Pedro não se incomodou, fora realmente intruso, - anuiu.
Anne não fora gentil de propósito. Amigos,
inimigos e vizinhos, fugia deles. Estava ali para lidar com os seus mistérios
e os da natureza. P rocurava o impossível, o ilimitável do seu
interior. Havia nela uma paisagem misteriosa e desejava matizá-la com
o ocultismo da natureza densa.
Meio apática dirigiu-se à velha estação da Central,
mais próxima, logo acolá. Não olhou para trás, nem
quando ouviu o barulho da moto dando partida.
Anne estava feliz assim eliminando qualquer aproximação humana.
Os funcionários, carregadores de bagagens do trem, entregam as últimas
bagagens e vão embora. Anne se acomoda no sofá de almofadas macias,
exausta. Vez por outra, lembra do olhar do desconhecido pousando no seu. Flashs
rápidos e ela admite que o desejava ali para ajudar na montagem de alguns
móveis.
Será que fora deselegante? pensou.
Percebe um peso de solidão além da que ela buscava. Bloqueio composto
de melancolia tristeza e incertezas. Dúvida aparente. Fizera a coisa
certa? Mergulhada no cansaço, cochilou.
Mais tarde, batidas na porta a fez acordar para a realidade:
- Estou a certificar se precis a de alguma coisa. Geralmente quando se muda,
o mundo vira de cabeça para baixo falou Pedro justificando a sua
presença ali novamente.
O convite para entrar fora feito logo após abrir a porta. Ficaram em
pé por alguns instantes, olhos nos olhos. Não resistiram a uns
olhares rápidos e alguns monólogos. Pareciam abobalhados.
Dirigiram se para os fundos da casa onde se concentrava maior quantidade
de embalagens da mudança. A noite já ia alta quando deram a tarefa
por terminada. Arrumaram tudo nos seus lugares, numa decoração
harmoniosa. Quando ele já se despedia, quase sem querer, ela faz o convite
para conhecer o pomar. Estava noite alta, mas a lua clareava tudo como nunca.
Andaram pelos fundos, embrenharam-se através de mangueiras e cajueiros,
pessegueiros e parreiras, laranjeiras e limeiras farfalhando através
dos roçados altos, até atingir os limites do quintal. Havia momentos
em que ela se arrepiava, se condenava por estar ali com estranhos. Pedro parecia
ad ivinhar os pensamentos da moça dissipava suas intranqüilidades
com perguntas corriqueiras. .
A brisa morna soprava os galhos que em resposta entoavam músicas incompreensíveis,
fazendo o pensamento de Anne vagar alhures e seu corpo sentir calafrios pela
iminência de prazeres estranhos que, pé ante pé, se avizinhavam
a cada minuto. Apetites proibidos sinalizavam, num e noutro. Despistavam quebrando
galho aqui amassando uma folha entre os dedos, ali. Anne rejeitava qualquer
idéia de aproximação masculina, mas era mais forte que
ela. Seu corpo pedia proximidade e Pedro percebia isso. Caminhavam por uma trilha
povoada de luar. O cérebro de Anne não raciocinava, entorpecido
pelo amor. Fazia tempo não amava. As imagens desconexas, estranhas, sons
distorcidos na mente a descontrolava.
A brisa parecia paralisar sua dança. Calaram-se as folhas. Só
se ouvia batidas de corações. Um silêncio profundo, intrigante
e absoluto, agradável e hipnótico, induziu Anne a singrar pelas
fenda s da imaginação desordenada. Um calor invernado afogueava
toda a pele do corpo. O peito arfava descompassadamente.
Súbito, rompe-se aquele silêncio, os dois se fitam, aproximam-se,
murmuram algo sem nexo, mãos se entrelaçam. Um abraço tímido,
narizes se roça, bocas se unem. O amor no coração dos dois
parecia gritar e dominar os planos. Ambos acreditaram não haver este
sentimento tão sublime.
Pedro segurou-a pelos braços, beijou-a e deitou-a devagarzinho na relva
orvalhada. Anne não reagiu. Choramingou baixinho apenas. Vamos, não
vai doer nada, você vai gostar. A pele macia e cheirosa deixava Pedro
enlouquecido e carinhoso. Levantou o vestido dela delicadamente, retirou a calcinha
de renda branca, com gestos sutis, sentiu o perfume de fêmea virgem. Desabotoou
o sutiã e sugou os mamilos intumescidos. Abriu o zíper de sua
calça jeans desbotada. Um corpo impaciente invadiu o de Anne que já
não chorava, gemia enquanto manchava de sangue a calça de Pedro.
Loucuras e delírios na mata. Ouviram-se até a melodia sensível
dos vaga-lumes.
E a fragrância da vida perfumou aquele jardim, agora não só
de sonhos... De realidade.
A aquarela daquele momento se eternizou na dupla tela imortal. Nos sons do silêncio,
emoções, sentimentos e paixões se lambuzaram em tintas
multicores...
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