PROSA SINISTRA
Eduardo Prearo
Parte I
Mr. Maximiliam pegou o subviário em busca de algo, mas esse algo era o nada. Sentou-se e deixou-se levar rumo a qualquer lugar pobre que o deixaria ainda mais angustiado. Todo mundo parecia sem defeitos, simplesmente perfeito. E ele, como pecador que achava que era, porém mais pagão do que cristão, tinha por vezes até vergonha de andar pela rua, deparar-se com aquelas pessoas well-dressed. Estava mal, obcecado por Grace. Passavam-lhe a impressão de que algo errado acontecia com ele. Aproveitavam a estupidez do rapaz para mostrarem-se de súbito ofensivas. Mr. Maximiliam não era feio, mas já fora bonito em algum ponto do planeta. Saiu do subviário e entrou na primeira hospedagem que avistou. E sentiu-se vulgar, e sentiu-se moleque, e perguntou-se o que estava fazendo ali. Dormiu numa cama aonde dormiam meretrícolas. Dormiu. Mas antes, multiplicou-se; estava em todos os quartos, em todos os cantos, nos porões, nas tubulações etc; enfim evaporara. Se queria inexistir, conseguiu. Saiu assustado de um sonho onde estava desnudo, borboleta pousada em seu ombro de repente sarado; era o homem do calendário de um posto de gasolina, posto do deserto, uivar d e vento, Grace como frentista. Ligou a TV e pediu vodka. Escarrou em escarro criminoso. Ofegava, outro crime. O álcool também matava...algumas bacteriazinhas.
Assassinei agora o que ia dizer, se bem que era uma idéia sem inimigos. Não, não acho Mr. Maximiliam um coitado, um coitado de coito ou um coitado filho de rato. Ele se assemelha a mim em alguns aspectos dos quais não entrarei em detalhes; em alguns aspectos referentes ao impulso. Seu celular vibrou como nunca, vibrou um terremoto; era um torpedo de Grace...
Espere-me...estarei aí logo depois das vinte e quatro horas...
Os raios solares eram um tormento; Mr.Maximiliam achava-se fotofóbico. Estava preferindo a noite nos últimos sete dias. A noite era um bálsamo. Preferia a noite como um vaga-lume prefere. Tornara-se lunar, tornara-se vadio. Tinha as suas economias, suas aplicações...Chegando ao seu amplo apartamento, olhou-se forçosamente no espelho; a palidez de um des telhado era nojenta, era patética. O que havia feito consigo próprio! Estava tired, precisava do escuro, do negro, da sensação de estar nas profundezas abissais. Era um criminoso, não era possível. A justiça sorria de alguns olhos, de alguns olhos desconhecidos; a justiça contra ele. Abriu um pouco a janela, mendigos gritavam por ajuda, adolescentes negras queriam bolacha. Grace, Grace, Grace, estou ansioso! Pôs um som, pôs Zefhyr Song...Grace dançava, frenética, Grace dançava...in the water where the scent of my emotion...all the world will pass me by...Ouviu um tiro, abriu de novo a janela...um homem corria...seu corpo delgado, as solas se revelando...
Parte II
Grace chegara. Seu prato predileto? Carne crua. É claro que Mr. Maximiliam providenciara tudo.
--- Max, meu beijo é bomba-atômica. Trouxe o melhor vinho?
--- Sim, o melhor que pude encontrar, talvez o mais caro.
--- Está m eio pálido esta noite.
--- Minha vida está sem sentido, Grace. Não tenho uma profissão definida, não terminei a faculdade. E o tempo passa tão rápido. Não é como na juventude. Quando eu era mais jovem queria que o tempo passasse rápido, queria ter quarenta anos...
--- E não tem agora?
--- Sim, mas não construí nada. Daqui a pouco tudo acaba. Não somos imortais.
--- Como pode ter tanta certeza?
--- Nenhum medíocre é imortal, amor.
--- Estou falando da imortalidade física. Tem algo para comer?
--- Ah, carne crua.
--- Carne crua? Eu estava brincando. Só como soja. Mostre-me seus versinhos.
--- Estão aqui.
Grace se irritava cada vez mais conforme ia lendo os poemas. Jogou a papelada no chão e gritou de raiva.
--- Você não sabe das consequências destas besteiras que escreve, Max.
--- Obrigado.
--- Queime tudo, esqueça. Você não é poera, não é escritor. É um frustrado, um neurótico. Vá, pegue a carne crua. Depois dessa...Que vergonha!
--- Comeu tudo, hein!
--- Vou torná-lo imortal. No século trinta ainda estaremos juntos...
--- Como?
Parte III - Epílogo
Mr. Maximiliam bocejou longamente e depois de um gole
de café apreciou a paisagem à sua frente. Estava entediado com
a tal imortalidade. Virou-se, olhou para o calendário, ele nú
na foto, uma borboleta azul pousada em seu ombro...agosto de 2840. Se não
fosse aquela noite com Grace, quando depois passou a comer ratos, pombos e canários!...Aliás,
onde estaria ela agora?
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