CUTUCANDO A ONÇA COM
VARA CURTA
Alberto Carmo
Ah, essas mulheres incríveis e suas máquinas
maravilhosas!
O intróito foi apenas uma mordida de morcego - adocei antes de mandar chumbo
grosso. Antes de mais nada, quero deixar aqui bem claro que sou adepto da
filosofia de que em mulher não se bate nem com uma flor. Isto posto, vamos ao
plumbum.
Mel Brooks fez uma "releitura" do diabo não como um pintor de setes,
mas como uma mulher. Bem, chifres e rabos à parte, ele não atirou tão fora do
alvo assim. Calma, calma! Caramba, já chegou uma chuva de sapatada, bolsada,
celularzada e caçarolada - e tem uma aí que deve ser halterofilista, porque me
acertou o pomo de Adão com um batom plúmbeo que, além do corante, deve trazer
em sua fórmula o peso atômico do dito elemento. Deixem-me explicar,
senhouras! Tudo na vida tem explicação, menos a impotência.
Levando o paciente cronos a uma sessão de regressão, que não necessariamente
nos conduza aos tempos pré-históricos, nem à Idade Média, mas tão somente a
alguns meros quarenta ou cinqüenta anos atrás (fazendo as contas nos dedos
aqui: 2004 - 50 = 1954, noves fora nada), quando estávamos em plena festa do
quarto centenário de São Paulo. Parece que ainda ouço
Mario Zan firme na sanfona em 78 rpm.
Muito bem: anos 50, anos dourados lá nos States. Elvis rebolando e Beatles
ainda nos sucrilhos com Nescau de manhã. Deixa eu parar com isso de Beatles
antes que comece a ouvir minhas MP3 e me esqueça do assunto. Estamos aqui para
falar de mulher. Parece até papo de botequim: - Chico, salta mais uma
estupidamente gelada prum batalhão! Fique tranqüila, não vou sugerir que a
dondoca bote água no feijão, pode ir ver a banda passar.
Voltando às saias - exceção feita aos padres, escoceses e "drags" -
no fim da década de 50, em geral, mulheres cuidavam da casa e dos filhos, e o cônjuge
pegava no guatambu fosse na cidade ou no campo (pegar no guatambu = mó de dizê
pegá na inxada aqui nos arraiá donde eu moro). Isso não é novidade, pois
todos sabemos que mamãe cuidava da gente com suquinhos,
mercurinhos no dodói e puxões de orelha nas reinações. E cozinhava quitutes,
e fazia remendos, e tudo aquilo que vocês - ou pelo menos a mamãe de vocês...
ou a vovó de vocês... ou, não me façam descrer deste mundo, ao menos a bisavó
de vocês, pelo amor de Deus!... - conhecem, ou deveriam conhecer, bem.
Porém, e "ai, porém, mesmo", eis que, feito uma descabelada bruxa
malvada, cavalgando uma vassoura de piaçava velocíssima, surge uma tal de
Betty Friedan (Betty Naomi Gosldstein Friedan) falando de feminismo - que Deus a
tenha lá nos quintos dos... deixa pra lá. E, no vácuo do bólido dos "Fab
Four", quando era a Inglaterra que ditava a moda e não os mascates sem
escrúpulos dos States, apareceu-nos Mary Quant e a magricelíssima Twiggy com
suas mini-saias.
Muito bem, feminismo e mini-saia, duas coisas normalíssimas hoje em dia, mas
duas sementes que não germinaram a contento, na minha opinião, adorável
consorte. Nossa, parece que estou ouvindo o ribombar da aproximação de uma
esquadrilha que não é de fumaça, mas de pesadas Mont Blancs e pontiagudos
laptops! Aiuto, mãe! Vem fazer curativo, passa a faca no galo que, já já, vai
cantar na minha testa novamente.
Posso explicar? Primeiro, o feminismo levou-as, quase todas, de roldão na
tsumani de sair de casa e ir trabalhar fora, ao invés de atrair-nos, aos
homens, para trabalhar dentro e compartilhar tarefas caseiras. Não tenho
a menor dor de cabeça, nem perco miligramas da minha testosterona ao
acrescentar no meu currículo um item de "prendas domésticas", ou
"do lar", se preferirem. Vamos mais fundo. Juro que preferiríamos, os
homens com agá maiúsculo (prometo que vou conferir esse detalhe no meu
registro de nascimento logo após concluir esta crônica), que vocês nos
infernizassem a existência, abrindo-nos a cabeça para tornar à casa como bons
maridos, e juntos educarmos nossos filhos, sem deixá-los à mercê de babás,
escolinhas precoces, tias mascateiras na TV, creches, e o escambau. E vamos
desconsiderar os que abominam ter filhos, o exemplo máximo do egoísmo
contemporâneo. Talvez demorasse um pouco mudar aquele sistema, mas mudaríamos,
aposto minhas fichas nisso.
Segundo ponto: as deliciosas pernas de fora. Juntando as duas coisas, tinha que
dar no que deu: divórcio a rodo, cinco filhos de cinco casamentos - isso é que
é ser multimídia! Aqui foram vocês, melíferas onças, que cutucaram o
(fraco) leão com vara curta. E virou putaria, se me permitem a expressão, que
hoje nem deve ser mais palavrão. E o pior, além de minar perigosamente o que
chamávamos de família, acabaram com o encanto, com a mística, com o
respeito, com o envolvimento do namoro, do flerte, do cavalheirismo. Nem vou
falar das que, por vaidade ou vítimas da malandragem dos marqueteiros, enchem o
peito, não de coragem, mas de silicone. Deus me livre! Parece que estamos
mordendo uma bolsa d'água - morde aqui, sobe ali. E deixa a marca dos dentes
feito tatuagem. Se ainda fosse para seguir viagem quando a noite viesse...
Culto ao corpo, celulite zero, gordura zero, cabeça zero também, são coisas
que preocupam a vocês, não aos portadores do agá. Perdão, mas nada substitui
o charme de um tesouro escondido a ser conquistado. Nada precisa ser "fast-food"
exibido aos quatro quarteirões do bairro. Embora, talvez por culpa das novelas
da Globo, não haja mais preliminares, elas são
fundamentais. Pois é durante elas que nos deliciamos a vasculhar, apertar,
adivinhar, e apalpar as tentações que nos aguardam depois, bem depois, quando
rompermos a madrugada fazendo coisa muito melhor do que assistir ao Jô. Agora,
se já chegam em casa com tudo de fora, ou em relevos ao estilo de cordilheiras,
o que sobra para o deleite prévio? Fora o quebrante que trazem dos gaviões que
lhes acompanharam o desenrolar do "olha que coisa mais linda, que vem e que
passa" no escritório e na rua.
Vocês seguravam as pontas do mundo com seu sacrifício e nobreza - e,
acrescento, sabedoria e beleza. Ao largarem essa suposta cruz e entrarem de sócias
no inferno masculino que criamos nós, os titulares da fantasia vermelha, dos
chifres e dos rabos, com um machismo cor-de-rosa de nudez castigada, tudo mudou.
E, para pior, constato! Basta vermos os frutos dos vossos ventres e dos nossos
girinos vencedores da corrida ao repasto uterino. Por favor, não me venha com a
exceção do seu filhinho super inteligente, caridoso, trabalhador, cavalheiro e
portador de outras virtudes. Super-mãe, só a do Ziraldo. Olhe o mundo e não
seu umbigo!
Sei que o futuro próximo trará, por simples exaustão diante de tanta
futilidade, homens e mulheres dividindo tudo; e que logo virá o tempo em que
recato não será mais careta, nem discrição uma desvantagem, nem honestidade
um defeito, nem tampouco vagabundagem uma conquista de "qualidade de
vida". Por ora, olhando este presente insensato que vivemos, onde imperam a
solidão compartilhada, a carência, a cegueira diante da beleza diária dos
detalhes,
o orgulho sem limites, a falta de afeto, a comodidade preguiçosa, o valor
invertido, e por terem vocês, musas queridas, lutado para se igualar a nós nos
erros, quando já haviam conquistado um pódio muito superior, lamento
profundamente esse empate técnico!
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