O SAPATEIRO NOEL
Sônia Cintra

Era uma vez, numa aldeia distante, um sapateiro que vivia do seu ofício de martelar pregos, que ia tirando da boca e fixando no couro da sola. A cada prego, fazia um desejo; a cada martelada, constatava um fato. E entre desejos e fatos os sapatos iam adquirindo formas variadas. 

A aldeia era pequena, mas os habitantes eram múltiplos. Cada qual queria um sapato diverso, de preferência que não lhe apertasse o calo, e os calos eram diferentes. Às vezes, eram no dedinho; outras na sola do pé; às vezes, estavam inflamados e doloridos; outras, já secos e nodosos. Entretanto, todos os habitantes tinham calo. Talvez, por isso, na hora das danças, que ocorriam todos os dias após a ceia, alguns preferissem a valsa; outros, o tango ou o maxixe, sendo o grande favorito, o campeão, o samba. Samba-só, samba-canção, samba-quadradinho, samba-de-pé, samba-de-breque, sambão. Era o samba o mais concorrido dos sons das baladas na aldeia.

O sapateiro, que não abria mão de suas botas pretas, tinha sempre muito trabalho, o ano todo, porque, para cada dança, havia um sapato especial, e todo mundo dançava todas as noites; algumas pessoas gostavam de mudar de dança de vez em quando, por isso gastavam mais de um par de sapatos também. Menos ele. Qualquer que fosse o ritmo ou movimento, compasso ou andamento, lá ia ele para o meio da roda com suas famosas botinas e bailava. Ninguém conseguia compreender muito bem como é que, com aquele peso todo no pé, ele dava passos tão leves, voltas tão soltas e tinha tanta disposição para ensinar dança às crianças.

Na aldeia, adultos e jovens, crianças e idosos freqüentavam os mesmos espaços, ao mesmo tempo, e uns estavam sempre a aprender com os outros. É claro que as crianças iam dormir mais cedo, pois elas apreciavam acordar com o sol. Adultos e idosos gostavam de ver o sol acordar e passavam a noite inteira em claro, dançando. Já os jovens amavam dançar ao luar. Todos tinham seu pretexto para ficar, menos o sapateiro, que à meia-noite se despedia e voltava para casa, atravessando o campo, onde colhia os pregos para pregar as solas. A árvore dos pregos só os deixava cair, como caem as folhas secas, naquela hora certa. Com o raiar do dia e despertar dos pássaros, lá ia ele para o seu ofício.

O tempo passava, crianças cresciam, adultos envelheciam, idosos nasciam de novo. Só sapateiro Noel com suas impecáveis botas pretas continuava igual, a fazer sapatos diferentes, de acordo com o calo e o passo de cada pessoa da aldeia, e a ensinar crianças a dançarem a música da vida. A única coisa que ele trocava eram os cadarços. Uma vez por ano.

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