SOBRE
A LIBERDADE
Reinaldo de Morais Filho
A liberdade é uma merda. Um grande vazio que lhe encara com olhos precisos e ameaçadores. Abre as portas e pergunta se você quer - mas sem dizer o quê.
Imbecis, acabamos iludidos pela oferta, pela gratuidade do que nos oferece, 'sim, claro', e vamos entrando pela mesma porta que ora nos entrega aos prazeres, ora nos afunda em um buraco escuro e sem retorno.
Caí na porta que nos entrega aos buracos. Caí pela porta que nos derruba aos prazeres. E descobri que o sentido é o mesmo de não haver liberdade nenhuma.
Ana abriu a porta ao me dizer que não sabia se estávamos namorando. Eu disse que não. Caí no buraco dos prazeres. Caí nos prazeres do buraco escuro e sem retorno. Sem saber se havia feito uma opção ou se havia sido dirigido ao mesmo fim em que cheguei.
A liberdade não é o poder de escolher entre diversas opções, pois não há diversas opções. Existem, sim, pessoas diversas.
Ana era uma pessoa diferente de mim. E igual a tantas outras pessoas que me apareciam, que me fez dizer 'não' quando vi seus olhos cheios de lágrimas a me oferecer escolhas.
No décimo quinto dia, nem ela quis me dar opção outra que não reatar o namoro, nem eu quis aceitar aquele convite como escolha. E ficamos livres e presos. Ficamos presos à liberdade que nos aflige a cada encontro.
Encontrei Ana, sem saber se os beijos do encontro deveriam ser dados na boca, deveriam ser dados na face, ou nem deveriam ser dados. Pensei na boca e beijei-lhe a palma branca estendida da mão esquerda.
Pensei em beijar o rosto de sua mãe. Pensei em chutar a bunda do ex-sogro. Acabei sorrindo à distância, enquanto pensava nos regalos caros que gastei com a velha, nas bebidas que o imbecil pai da garota engoliu no meu apartamento.
Às vezes confundo liberdade com dinheiro para comprar. E achei que havia libertado Ana do pátrio poder dando presentes idiotas para a mãe, alimentando o bafo de álcool do seu pai.
Ana sentou longe de mim, presa aos pais e não deixou de olhar todos os passos meus até que chegasse em seu colo, ajoelhasse a seus pés, juntasse as mãos no meu peito e pedisse perdão.
Ana deixou de olhar todos meus gestos desde o momento em que me ajoelhei. E com os mesmo olhos cerrados sem ver coisa alguma, empurrou a língua para dentro de meus beiços quando lhe beijei.
Senti-me amarrado e livre e feliz, porque o sentido da liberdade é o mesmo de não haver liberdade alguma.
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