TIO PAULO
Regina de Souza

Véspera de Natal. Era bom demais esperar por ele, nosso verdadeiro Papai Noel. Vinha vestido de verão vestindo calça esporte, camisa de manga curta e uma jaqueta elegante. Trazia uma pilha de presentes amarrados por várias voltas de barbante e a encostava perto da árvore de natal. O alvoroço começava ali, num misto de prazer e tortura.

Água! Ele precisava de muita água. A sede bate forte quando se atravessa a cidade toda carregando uma pilha de presentes -dizia ele. Alguém lhe servia a água “mezzo á mezzo” como ele adorava. A pilha lá, convidativa e atraente como nunca, passava a tarde nos cutucando a curiosidade. O presente maior -o da afilhada- era a base da pirâmide.

Depois da água, começava a provocação. Ele nos chamava como se fosse começar a distribuir os presentes, sentava-se lentamente no sofá da sala, pedia a pilha e uma tesoura para cortar os nós –caso fosse necessário, olhava bem para o barbante, virava a pilha para analisar cada lado, desmanchava o primeiro laço e essa era a primeira etapa de infinitas outras que se seguiriam pelo dia afora. Ele nos liberava, dizendo que antes de qualquer coisa tomaria um uísque com meu pai. Porções de azeitona, cubinhos de provolone no palito e muita conversa rolavam, antes de sermos chamadas de novo para a próxima etapa da entrega dos presentes, quando ele desfazia com uma calma de dar nos nervos o primeiro nó. 

Assim eram as tardes de véspera de natal lá em casa. Cada nó e cada volta do barbante em torno da pilha significavam mais aperitivos e mais conversa. Esquecíamos até da chegada do verdadeiro Papai Noel, tamanha a vontade de saber o que cada uma ganharia dele e de Tia Luiza, sua esposa. Quase no final da tarde, quando já começava a escurecer, os presentes eram entregues para nosso total deleite. 

Na época, eu o tachava de “espírito de porco” e só muito tempo depois pude entender o verdadeiro valor das coisas e descobrir que com a tal pilha, Tio Paulo fez com que exercitássemos as duas mais nobres virtudes que todo ser humano que deseja ser feliz deve ter: paciência e bom humor. 

Feliz Natal e um grande 2004 para todos! 

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