EUNICE
Patricia Lopes

Eunice cheirava a sexo. E quem disser que pode nisso haver algo de diabólico, não deve mesmo entender nada de Deus ou de Diabo. O cheiro de Eunice era divino. Tinha a acidez nauseante do gozo, não do enxofre. Os homens, que se esbarravam na pequena porta, não se importavam de serem muitos ou de serem parcos os minutos. Precisavam daquele odor entranhado em suas roupas, impregnado às suas rotinas.

Eunice tinha um olhar distraído, quase cego, e sobrava mais carne em seu decote do que em seu prato. As roupas eram justas, num corte que não se encontraria nem nas revistas de 10 anos atrás. E até gostava de banhar-se depois de ser devorada por aqueles pobres coitados (nem tão pobres e coitados quanto ela própria), mas o cheiro não saía. Ficava um perfume enjoado de loção barata com sexo, perfume de quarto de motel.

Eunice não era prostituta como alguns pensavam - e muitos xingavam em voz alta, só para magoá-la e assim esquecerem suas próprias aflições. Era recepcionista de uma velha pensão em Copacabana, esta sim, cheia de sobreviventes da vida fácil. 

A convivência com as meninas a ensinou meia dúzia de truques para parecer mais bela ou mais vulgar, dependendo da necessidade. Mas o cheiro do sexo ela não poderia ter aprendido ou jamais ensinado, já que lhe era qualidade inata.

Diz-se que as meninas a invejavam por isso, embora não entendessem bem porque ela tinha tanto pudor em se deitar com os vagabundos por alguns trocados, e tanta disposição para fazê-lo de graça, em sua própria cama, horas depois. 

Eunice não tinha passado nem futuro. Eunice não tinha nem religião, por isso nunca, mas nunca mesmo pecou nessa vida.

Nunca me deitei com Eunice. Não precisaria fazê-lo para sentir seu vapor erótico, que extravasava em muito as extensões de sua pequena janela de cortinas de chita estampadas - estampas grotescas e coloridas, bem como ela.

Quando Eunice se for, vai levar junto a alma de muito homem por aqui, quem sabe até a minha.

Se Deus quiser.

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