A VIDA VAI ACUMULANDO
Luiz André B. R. Cavalcante

Dia desses eu estava no Salão Brilhante. (Como ninguém sabe, explico que o Salão Brilhante é uma barbearia decente e limpa, e nela trabalham o Epitácio, o André e o Isaías. E tenho dito.) Pois é: dia desses eu estava no Salão Brilhante, cortando os cabelos. Olhava pelo espelho a rua lá atrás, distraído, quando vi passar o meu pai. Minha cabeça registrou: lá vai o meu avô. Foi o que pensei: meu pai está envelhecendo. E ficando cada vez mais parecido com o meu avô, já falecido. 

Dia desses, me olhando ao espelho, vi a barriga do meu pai. Quer dizer: era a minha barriga, mas era também a barriga do meu pai. Menor, é claro, mas com o mesmo formato. Guardadas as proporções, idêntica. A barriga do meu pai: esse era o futuro da minha barriga. Pensei: estou envelhecendo. E ficando cada vez mais parecido com o meu pai.

Bom? Ruim? Nem uma coisa nem outra. O que acho bom é saber que a vida vai acumulando na gente coisas e pessoas. Com ‘coisas’ quero dizer, claro, lembranças. E com ‘pessoas’ quero dizer os seguem conosco vida afora ou, então, os que, determinado momento, cruzam conosco e nos acompanham por um dia, uma semana ou um mês. Mas, principalmente, quero dizer os que são realmente ‘nossos’. 

Meu avô: encostado no muro baixo de sua casa, pitando o cigarro de palha que ele mesmo fazia; meu avô andando no quarto escuro, cuidando de minha avó; meu avô (vejo-o agora) recortado contra a parede alta, os ombros curvados; meu avô pisando o chão de azulejos pretos e brancos. Meu avô, um santo. Como costuma dizer o meu pai.

Meu pai: passando apressado para comprar pão (ou banana, ou tempero, ou leite, ou qualquer outra coisa que tenha faltado em casa); meu pai cochilando na frente da televisão; meu pai chupando manga depois do almoço; meu pai de tênis branco e meia preta; meu pai de boné. 

E eu: a barriga do meu pai e o silêncio do meu avô; eu os cabelos brancos; eu o meu pai me abraçando e eu pedindo a bênção ao meu avô; eu usando bermudas velhas; eu andando de chinelas havaianas. Mas eu sobretudo criando em mim o meu filho que ainda não veio; eu lendo e o meu filho olhando pra mim, curioso. Eu o pai calado, eternamente pensando. Eu o meu filho me olhando. 

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