A TAL PARADA
Cléo Siqueira

- Tá limpo, não esquenta!

- Quanto que tu vai me dá?

- Uns cem, os cara não paga muito, tu sabe...

- Pô, qualé?! Vô gastá mais que isso com a Roberta, cara! Quero dá pra ela aquele tênis lá do shopping! Tenho que limpá minha barra, sabe como é, né? A mãe dela melou nosso namoro porque soube aí da paradinha...

- Tu é otário, mané, tu é otário,,, fica queto, fica queto, olha lá!

Olhavam dos fundos, por cima de um muro baixo que cercava um condomínio suburbano - desses onde as pessoas quase se arrebentam para pagar o financiamento dos espaços reduzidos, mas que, pela aparência, lhes dão a sensação de estarem acima do que se chama pobreza ou classe baixa.

- Dá pra pulá agora, vamo nessa! - Nem esperou pra ver se o companheiro franzino, que só pensava na tal da Roberta certinha, tinha pulado junto: pulou e correu beirando o muro que terminava num corredor de onde se via, de trás pra frente, a entrada do último prédio. Parou. Só aí teve a certeza de estar acompanhado: duas mãos pesadas seguraram-lhe os ombros. Pesadas? Não combinavam com as do Gildásio!

- Tá procurando o quê?

A voz em seu ouvido foi espécie de sino gigante que tocava alto dentro do peito e entalava estremecendo tudo. Cadê o Gildásio?

- Pô cara, qualé? Me solta, só tô aqui que queria vê como é, me solta, cara! Tô limpo, pode vê!

O segurança do condomínio afrouxou as mãos para girá-lo e encará-lo de frente: não sabia que Marcos era uma espécie de corisco - talvez nem o próprio Marcos soubesse. O tempo... não deu para precisar o quanto de tempo foi necessário para que o rapaz escapasse como que cuspido por um lança chamas, tirasse o revólver que se aquecia encaixado no cós da calça jeans e o disparasse cegamente. Cegamente mesmo, pois que acertou na pilastra de concreto beirante à garagem e deu com as costas no outro segurança que já gritava:

- Então o sacana gosta de dar tiro, né? E de levar? Bem no meio dos cornos? Também gosta?

Só aí viu o amigo vindo arrastado pelo terceiro homem: braços torcidos como réstia de cebola ensacada, pescoço dobrado fazendo o queixo encostar no peito, sangue escorrendo da boca... e um pavor nos olhos que nunca tinha visto em ninguém! Eram três, três homenzarrões os seguranças daquela merda! Onde é que eles estavam que nem ele nem Gildásio haviam visto?

Não deu para pensar em mais nada. Deu apenas para ver a "perna de três" subir ao ar e explodir sobre o corpo magrelo do amigo, que convencera a participar da tal parada,antes de esbordoar-lhe a cabeça e ouvir:

- Aí, os safados gostam de dar tiro, pode? Vamos dar unzinhos pra eles?

- Devem ser os mesmos que atacaram o outro condomínio semana passada e roubaram aquelas motoquinhas...

- É, ROUBARAM, estes aqui não fazem mais nada!

De algumas janelas, pelas frestas de algumas cortinas de renda, alguns olhos assustados e medrosos. E os donos desses olhos estremeceram com os estampidos.

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