A SOLIDÃO DAS COISAS
Raymundo Silveira

A última vez em que entrei na casa onde nasci foi poucos minutos antes de me mudar para outra, e eu a vi chorando. Eu tinha dez anos de idade e nunca havia me separado dela. Mas naquele tempo eu ainda não sabia por que ela chorava. Faz mais ou menos dez anos que a vi pela última vez — por fora — e, desta vez, nós dois choramos de saudades. Ficava numa esquina, tinha um pé-direito alto, uma calçada em declive e duas enormes pedras servindo de batentes ou de degraus a fim de que se pudesse alcançá-la. Isto, como disse, eu revi há mais ou menos dez anos. Mas a parte interna, que só vi pela última vez quando eu tinha dez anos, está tão presente na minha lembrança quanto a calçada. O quarto onde nasci, onde dormi, a sala de jantar a de brincar e, principalmente, a enorme cumeeira de caule de carnaubeira da qual eu tinha medo porque diziam que era por ali que entravam os fantasmas. Com efeito, entraram em mim multidões de fantasmas ao longo da minha vida, mas nenhum deles, pelo teto da casa onde nasci.

Há muito tempo que não vejo a casa onde cresci, ou melhor, que não a olho, porque, na verdade eu a vejo todos os dias. Principalmente, o cajueiro carregado de maturis e, mais tarde, de frutos maduros, rubros, suculentos, enormes, aos quais faço sem querer uma livre associação com os corações das pessoas que lá moravam comigo. Era uma construção mais moderna do que a outra. Havia uma grande área frontal onde crescia um misto de jardim e de pomar. As ateiras se misturando com as roseiras. Os troncos das outras árvores frutíferas, serpenteados de trepadeiras. Se um dia ainda fosse visitar a casa onde cresci, não tenho dúvidas de que nós ambos também choraríamos de saudades. 

Durante a minha época de estudante, morei em diversas casas. Humildes; quase todas situadas nos subúrbios e, de vez em quando, eu as vejo fisicamente. Morei muito pouco tempo em cada uma. Mas nunca deixo de sentir uma certa melancolia quando passo por elas.

Faz também mais ou menos dez anos desde que vi pela última vez a casa onde morei ao me casar. Diante de todas as outras anteriores pode-se dizer que era uma mansão. Foi lá onde nasceram todas as minhas filhas. Onde morei durante quase vinte anos; onde vi muitas coisas importantes acontecerem. Havia sido adquirida pelo Sistema Financeiro da Habitação, mas, mesmo assim, fazia-me sentir um autêntico marajá tendo em vista os tugúrios onde morei antes. Durante os Natais, cada aposento resplandecia de luminosidade multicor e um luxuriante jardim exibia um pinheiro desempenhando o papel de árvore de Natal. A vegetação era densa; vicejavam exuberantes samambaias e outras espécies ornamentais. O chão alcatifado de relva úmida e verdejante era um convite para um repouso na mais completa comunhão com a natureza. Costumava me embalar ao pêndulo suave de uma rede macia; comparava para mim mesmo experiências recentes de um passado muito pobre que fora a minha vida de estudante, com aquele conforto. O contraste, longe de deprimir, me enchia de orgulho e de prazer. "Venci" — pensava maravilhado. "Superei obstáculos que pouquíssimas pessoas na vida lograram superar".

A casa onde hoje eu habito, na qual entro e saio diariamente em posição vertical, até chegar o dia em que dela sairei pela última vez, em posição horizontal, parece comum; parece ter tudo para não motivar nenhuma emoção. Parece! Porque na verdade já sinto saudades dela por antecipação.

É estranho, mas toda vez que olho, penso imagino, contemplo cada uma destas casas, acho que elas se parecem comigo; sinto como se somente eu tivesse morado ali. Experimento uma nítida impressão de que elas se lembram de mim do mesmo modo como eu me lembro delas. Tenho a sensação de que todas sentem exatamente o que eu sinto. Eu, a saudade e a solidão dos homens. Elas, a saudade e a solidão das coisas.

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