UM SÓ É O BASTANTE
Patricia Lopes

Não me entristeço por ser só. Isso todo mundo é. Cada um vive só em si mesmo, preso num corpo mais largo ou mais comprido, mais claro ou mais escuro, dependendo do meridiano, dependendo do dia do ano. 

Aqui dentro é tudo igual. Umas salas e quartos bagunçados, umas mobílias velhas, caixas da mudança empilhadas por toda parte, tudo a ser feito, o pouco que foi. E um monte de espaço vazio. 

Uns convidados fazem visitas rápidas, outros se estendem um pouco mais, é verdade. Mas todos acabam indo embora e voltando às suas próprias gaiolas, voltando para quem são de verdade, numa terça à tarde de chuva, numa trepada sem amor, na morte de um pai.

Meu primeiro encontro comigo mesmo foi assim, não sei se numa desgraça qualquer ou num banho de manhã. Fui entrando na ponta dos pés, um silêncio sepulcral. Umas cadeiras intactas e empoeiradas me esperavam ansiosas, logo eu que nunca tive tempo nem coragem de pensar em mim.

Sentei e fiquei olhando aquele cara estranho até doer, com uma intimidade forçada, chorando lágrimas gordas e muito salgadas. O cara era eu.

Depois disso, não me entristeço por ser só. Gosto da sensação, talvez a única que me iguale aos outros. Não tenho posses, há muito que já não sou bonito como querem, nunca tive grandes coisas a dizer. 

Mas estou aqui sozinho, suportando o eco dos meus próprios berros, exatamente como você. Mas fique tranqüilo. O mundo é muito. E a verdade é que não cabe mais ninguém aqui, apesar desse imenso vazio. 

fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.