FOLHAS
Iosif Landau

Um velho senta num banco da praça, estende os braços no respaldo, estica as pernas, relaxa, vê folhas amareladas caídas debaixo de arvores... serão recolhidas, incineradas? lixo, como eu, varridas da vida... acabara de assistir a um enterro, o terceiro este ano, o passado indo para debaixo da terra... a existência um mosaico, quebra-cabeça, pedaços às vezes encaixados com cuidado, a maioria por acaso, agora alguns vazios, buracos, cada morte arrasta peças... figuras remotas, quase ausentes em sua mente, pai... quase esquecido, mãe... sem lembrança, filhos... relação convencional, netos... nem isso, ainda esperava que o mundo viesse a ele, mais cedo ou mais tarde alguém apareceria, um amigo, uma ex namorada... memória... "o homem de boa memória não se lembra de nada"... Becket sobre Proust... o velho odiava ter lido tanto... cultura inútil? não, apenas memória voluntária, involuntária? ressurreição do passado... tem motivo por ele estar nessa praça, algo anseia dentro dele... saborear o caos da incerteza? louco? queria sê-lo, mas a loucura não pode ser fingida... especulação tediosa... estou vagando pelos círculos do inferno... uso óculos, nunca sei onde estão, me olho no espelho e não me reconheço... crianças correm, tenta imaginá-las adultas, muda de posição no banco, velhos nas mesinhas, jogam damas... como eram quando crianças?... minha vida não transcorre mais no presente... pancadas, peças batem nos tabuleiros, ritmadas, sinfonia de Mendelsohn... allegro, andante, moderato... Bartók... dissonante, agudo... fecha os olhos... plac, plac, plac, placplac, plaac, plaaac, plaplaplac, laplaplacpla... risada, jovem, abre os olhos, uma mulher, pulos de alegria, tapas nas costas do parceiro, fixa a visão nela, encontro de olhares, sorrisos, promessas?... será? não, com certeza não, engano do desejo... tênue movimento entre as pernas... esquecido?... imperceptível calor desce aos pés... ressuscitado?... movimenta a cabeça em direção oposta, não resiste, olha de novo... como será quando velha? queixo duplo, olheiras, rugas em torno dos lábios, buço, obesa, esquelética?... mais risadas, ela se despede dos parceiros, um aceno... sou eu?... se levanta, no sinal luminoso encosta... - acompanho?... - sim !... atravessam, alguns passos, entram no hotel (só para cavalheiros), o atendente levanta a cabeça, ela sinaliza, sobem, a mulher destranca a porta...

...maravilha, por que me parece tão absurdo desejar tanto essa mulher, pôr em prática toda minha experiência?... sinto que me destruirá, no entanto quando olho para ela me lembro de todas, faz tanto tempo... o velho se aproxima, ela o abraça, ele quer falar, a voz mal consegue produzir som, ela coloca um dedo sobre seus lábios, ajuda se despir, ele olha fascinado as curvas do corpo à sua frente, envergonha-se do seu, se deitam, ele rememora movimentos, recantos escondidos da anatomia feminina, fica atento à respiração dela, aos gemidos inaudíveis, às contrações, aos tremores, se esmera, procura os olhos dela, esgazeados, a mão dela conduz, calor úmido, lábios grudados, prazer quase sem fim... a cabeça do velho lateja, a vista escurece, fecha os olhos, suspiro...

Ela o empurra com cuidado, carinho? se veste com calma, cada fio de cabelo no lugar certo, batom, alisa o vestido, olha no espelho, sorri... coloca a mão no bolso da calça do homem, retira uma carteira, contas as notas, trinta reais, examina a identidade, move os lábios sem emitir som, coloca tudo em cima da mesinha, abre a bolsa, retira um caderninho, uma caneta, escreve uma data, um nome, folheia, outras datas, nomes, números... - doze!... sorri de novo, guarda tudo, sai...

...coloca as notas em cima do balcão, o atendente levanta a cabeça... - chamo o rabecão?... ela mostra o polegar para cima... 

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