COMO ELE GOSTA
Bárbara Helena

Moveu-se, vagarosamente, até a cozinha. 

Apanhou o pano de fazer café (ele só gosta de coador de pano). Preparou a cafeteira e arrumou duas xícaras. A dele é sempre esta, com um quebradinho do lado... manias... lá fora a tarde descia morna e um pássaro cantava. 

Arrumou a bandeja, colocou a mesma toalha rendada, o açucareiro polido, as colheres pequenas de prata, brilhando. O cheiro do café se misturava às violetas no jardim molhado... as preferidas dele. 

Deixou a bandeja sobre a mesinha perto do sofá onde costuma ver televisão.

Sentou-se na poltrona à direita e começou a brincar com o controle remoto. Ele só assiste a TV paga - Mundo, People and Arts... separou o jornal, tirou os classificados. Deixou a página de esportes em primeiro lugar.

Ligou o som, bem baixinho, é assim que ele gosta. 

O seu CD preferido

“They say ... Ruby you”re like a dream... você é como um sonho, meu rubi, minha querida... I hear your voice and I must come to you...”

As árvores iam virando silhuetas escuras contra a tarde que morria. No céu, ainda claro, as primeiras estrelas surgiam.

Levantou-se, apanhou o cachimbo, encheu de fumo, guardou a sacola e bateu ligeiramente na almofada. Deixou o cachimbo ao lado do sofá. 

"They say ... Ruby you”re like a flame"... 

Folheou a revista de palavras cruzadas, tentou fazer algumas, não conseguiu. Ele é quem sabe resolver estas mais difíceis, organiza pequenos dicionários com sua letra inclinada e forte. 

“Em algum lugar... no final do arco-iris...”

O perfume do café se mistura ao das flores, damas da noite, como ele gosta delas!... o céu escureceu de repente e milhares de estrelas ocuparam o espaço que sobra entre as cortinas delicadas. Entram, junto com a noite recém-chegada, na sala escura.

Acende o abajur ao lado do sofá onde ele fica... que mania de ler com pouca luz!... abre o livro, marca a página com o belo separador indiano.


Durante horas, permanece tranqüila, olhando para a frente. 

"... I hear your voice and I must come to you...I have no choice, so what else can I do "

Depois, apaga a luz, o som, desliga a televisão e, lentamente, volta para o quarto vazio.

Arruma cuidadosamente os lençóis, as cobertas, os travesseiros dele.

Vai até a janela e olha uma última vez para o céu imenso, negro e pontilhado de olhos luminosos. Ao longe, a silhuetas das montanhas recorta-se, ainda, mas quase indistinta. 

Sente frio, aconchega contra seu peito o casaco masculino.

Fecha a janela com cuidado. 

“Algum dia... em algum lugar... além do arco-íris...”

Pega o retrato na cabeceira, dá um longo beijo e diz, com voz firme

- Boa noite, amor.

Na casa vazia, nem um suspiro.

As flores estão adormecidas... dorme a chaleira sobre o fogão e a TV apagada. 

Dormem as estrelas no céu e o cachimbo sobre a mesa. 

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