O VELHO CASARÃO
Ana Terra

Chego no portão da velha casa, tão minha conhecida. Seu portão enorme está fechado com um cadeado. Entre as grades vejo o jardim. Toco a campainha e ninguém atende. Silêncio.

Retorno dez dias depois. O portão está aberto. Entro e me instalo na sala grande. Sinto algo diferente ali. À primeira vista não consigo enxergar. Vejo que o sofá está com o revestimento gasto. Aos poucos vou vendo o que mudou. Os móveis antigos e os quadros foram retirados. A cadeira da varanda está vazia. O dono da casa não está mais ali.

Parece-me que as mudanças significam que um ciclo de vida termina. Vejo o dono da casa, com cabelo grisalho, sozinho dentro do casarão durante vários dias.

Imagino-o percorrendo os cômodos lentamente. Lembranças em seu olhar. Coloca em caixotes o que pretende levar. Olha com tristeza o que vai ficar. Em cada peça, em cada objeto, uma dor ou um prazer. As caixas são empilhadas na varanda. Uma a uma. Ficarão ali até chegar a hora da partida. Na solidão das coisas.

Uma mulher na sala quase vazia. Ela me convida para dar uma volta no jardim. Oferece-me flor vermelha para comer. Sinto na língua o gosto exótico. Um pequeno pé de romã está carregado. Uma fruta é dividida ao meio e vejo as sementes vermelhas e suculentas. Como num ritual, comemos a fruta. Sabores se misturam na minha boca.

Retorno ao velho sofá. Uma adolescência apressada e cheia de vida entra correndo com seus cabelos negros e encaracolados. Ganho um bom pedaço de chocolate. Não sei mais definir o que minha língua sente.

O dia está indo embora. Pelas janelas vejo o avermelhado do céu. Despeço-me. Saio e fecho o portão.

Da rua olho novamente para o velho casarão. A mulher está tranqüila. Vejo que ela procura algo. Logo ela reaparece com um livro nas mãos. Com um pouco de dificuldade, consigo ler o título: "O Quintal Iluminado".

Saio devagar. Sinto nostalgia ao lembrar do homem de cabelo grisalho juntando seus cacos. Sorrio ao ver a adolescência andando pelo jardim e a mulher absorta na leitura do livro. 

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