COLEÇÕES
Abgail

Passei a minha infância, quase que compulsivamente, colecionando objetos que poderiam não ter menor valor para outros mortais, mas que pra mim eram tesouros com valores inexplicáveis.

Comecei com pedrinhas diferentes, redondas, pontudas, amarelas, pretas, tive uma bela coleção de pedras, o espaço já ia ficando pequeno e a medida que eu crescia, fui me divorciando aos poucos desta coleção, que nem mesmo eu sei se presenteei alguém ou caiu no esquecimento da minha idade adulta, esquecidas em algum canto de algumas das tantas casas em que vivi. 

Passei por chaveiros, caixas de fósforos, isqueiros, moedas antigas, selos raros, álbuns de figurinhas, postais e uma infinidade de outras tralhas das quais eu me desapaixonava com certa rapidez e já logo em seguida começava uma nova coleção.

Não consigo mesmo com todo o esforço de minha agora já cansada memória, estabelecer aqui comigo, onde foram parar estes tantos objetos.

Foram passagens, foram momentos e contam por si o que vivia meu coração quando relacionado a cada coleção que fazia, coleções de momentos de dores, coleções em momentos de amores, coleções plenas de alegrias, coleções pesadas e soturnas. Dividia com elas alguns de meus mais íntimos segredos, fazia-as uma espécie de família, e sempre havia um novo membro, até que, sem maiores explicações, simplesmente as abandonavas em alguma gaveta até a luz da idéia de juntar quantidades de um novo objeto.

Estranho, mesmo vivendo por vezes intensas paixões por essas coisinhas, com o tempo conseguia as abandonar sem o menor pesar e sentimentos de culpa, afinal, eram só coisas inanimadas, apenas coisas.

Penso comigo se já não tratei ou fui tratado nas minhas relações humanas, como tratava as minhas "coisas", houve enjôo? enjoei alguém? Houve abandono? Fui abandonado? Dentro do universo de pessoas com que mantive relações em todos os níveis e graus, repenso aqui se o outro é coisa que se pode deixar de lado, se gente pode ser substituída por outras gentes, sem que se deixe uma lacuna, por vezes impreenchível, em corações mal avisados.

Já me senti assim, como se houvesse aumentado da noite para o dia o espaço dentro de mim, e remeto-me a uma auto-crítica com base na forma com que me desfiz de minhas, por hora, tão amadas coleções, não é lá muito humano delegar às pessoas a solidão das coisas.

Me desculpem pedrinhas, mil perdões chaveiros, lamento muito moedas, selos, figurinhas, etc... etc. 

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