POR
EXTENSO
Reinaldo de Morais Filho
Toda vez que ia dizer a K. que o amava, Ana escrevia uma carta, grande, três páginas, com várias notas de rodapé. Inventava uma introdução e explicava todos os sentimentos.
Talvez quisesse fugir do encontro imediato dos olhos, como quem diz algo sem certeza; talvez quisesse organizar o processo metódico com que encarava a relação com o amante, como quem se protege para acusações futuras de frieza.
Assim, da mesma forma, se queria afirmar que detestou a camisa amarela com que ele apareceu no jantar com seus avós, se queria dizer que gozou três vezes na última noite de sexo, se queria cuspir a azia provocada pela crise última de ciúmes, pegava a tinta, o papel, a coragem.
E sempre com as notas explicativas no rodapé. Inventava uma crise ocular para raiva, um movimento especial para o gozo, um olhar dissimulado para a briga.
Um dia, K. acordou com a vontade incontrolável de casar com Ana, lavrar o termo, colocar no papel, como a amada fazia, o caso que mantinham há três anos por escrito.
Ela estava no supermercado quando veio a idéia. E ao chegar com os braços cheios de compras, viu o bilhete em cima da mesa de centro na sala, largou as sacolas, deixou as mangas douradas rolarem por cima do tapete e chorou.
Quando K. chegou do trabalho, entre a doce brisa noturna, Ana o encarou nos olhos e nem precisaram se dizer.
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