O TEMPO E O ESCRITOR
Leila de Barros

O tempo é algo indecifrável, como uma esfinge. Decifro-o, mas ele me devora assim mesmo.

Para tentar entender o tempo, é preciso compreender também o que está por trás de suas legendas. Às vezes o tempo vem sem tradução. Ele é poliglota, temos de ser intérpretes, como os astrólogos.

Muitas vezes, percebo o tempo escorrer pelos meus cabelos, pelos ralos da casa, derramando-se como tinta forte nos contos noturnos que escrevo. Não tento alcançá-lo, mas sim absorver e decifrar suas metáforas.

Na calada da noite sinto o tempo me abraçar como um edredom, no topo de uma montanha, bem no acampamento de meus próprios enigmas.

O tempo, de vez em quando, me mostra um ego que esperneia. Um ego perdido nas vielas de minha essência feminina, cujos hormônios e olhos atraem o que a mente tenta sublimar. E, então eu escrevo...

Paralelamente, o tempo espelha-me nesse mesmo ego, tornando-me um poeta e escritor exacerbado, que agita as marés, escreve versos ocultos e textos grafitados em paredes brancas, expondo-me ao fogo e ao gozo de novos tempos.

O tempo me invade quando me faz propostas indecentes e me obriga a escrever poesias e prosas, pois cada tempo usado para escrever é um tempo que não vivi.

Observo o tempo pelas frestas da alma e ele me observa de cara lavada, a olho nu. O tempo não doura a pílula. Escreve certo por linhas tortas. E eu escrevo torto nas linhas certas.

A falta de tempo nos torna virtuais, amantes de imagens sem rosto, sem voz, sem toques, sem beijos, sem tempo. Então, eu escrevo...

O excesso de tempo nos torna engenhosos e, na inércia dessa engenharia, passamos a criar amores passíveis de erros e dores, amores impossíveis. E, escrevemos novelas...

O tempo é um corcel fogoso que domo em sonhos e que me carrega para oceanos míticos, no meu tempo acordado.

O tempo é um brinde que um Ser eterno nos legou. E assim sendo, nada se perde. Podemos de tempos em tempos, rebobinar a fita, avançar trechos no tempo e assistir de camarote, infinitas vezes, os melhores momentos, por meio da escrita e da memória da alma.

O tempo permanece intangível na boca dos que cantam, na escrita dos poetas, nos papiros da alma. O tempo e a escrita são aliados.

Por isso, decidi, daqui para frente, colocar notas de rodapé nas palavras ditas, como se fossem legendas de mim mesma, no que julgo ser intraduzível. Para que me compreendam, me esclareçam e me eternizem em suas bocas e almas...

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