ASTERISCO
Lauro Lima

Fecho o livro dos sonhos, conformado. Não será nele que encontrarei as respostas. Também não me adianta permanecer nessa espera, sem esperança. Cada novo minuto, cada hora ultrapassada, só fazem confirmar que ela não virá. Se, ao menos, telefonasse! Se mandasse uma mensagem! Um simples recado, mesmo que através de terceiros! Qualquer forma de contato seria suficiente, desde que dela fosse a iniciativa.

Não. Eu tornar a procurá-la está fora de cogitação. Sei, exatamente, como irei me sentir, se assim o fizer. Num primeiro momento, a extrema alegria ao ouvir sua voz, apreciar, embevecido, seu jeito de falar. Perceber cada detalhe de suas roupas: o novo par de brincos; o colar de artesanato deitado sobre o colo, suavemente chamando a atenção para o decote discreto; o vestido leve, de caimento impecável, que mais realça do que esconde suas formas generosas; o inesperado cordão de ouro abraçando o tornozelo e, mesmo, o sensual par de sandálias valorizando a graça de seus pés. Ficarei atento a todos os seus gestos e palavras. Irei inebriar-me com aqueles trejeitos graciosos que ela nem percebe fazer, mas que me encantam profundamente. Serei como uma esponja sobre líquido, absorvendo o ar que a envolve, seu perfume, seu sorriso, suas vibrações. Ficarei no limite do transe hipnótico, durante os dez segundos de abraço que trocaremos. Querendo prolongá-lo, torná-lo infinito, fazer permanente a fugidia emoção. 

Depois, contudo, quando as urgências do cotidiano nos afastarem, voltarei a entrar no emaranhado das dúvidas existenciais. Será que essa magia só ocorre comigo? Parece que sim, me responderei. Se fosse mútua, ela também externaria o mesmo desejo de estarmos juntos o máximo possível, como eu anseio estar com ela. Sou impertinente com esse meu bem querer? Ela só não demonstra contrariedade para evitar me magoar? Vivo, sozinho, uma louca fantasia impossível de tornar-se real? Haverá uma resposta muda, em sua inação, dizendo que não tenho nenhuma chance de alcançar seu coração?

Serão perguntas sem resposta, a torturar-me a alma. Bem sei que é um labirinto sem solução. Andarei em círculos, esbarrando em paredes, percorrendo becos escuros em busca de miragens de portas de saída. Tomarei decisões definitivas, que se mostrarão tão frágeis quanto às do glutão que quer emagrecer, mas assalta a geladeira na silenciosa madrugada. Irei render-me a falsas evidências, que levarão minha auto-estima a seu limite mínimo. Ganharei novo fôlego para acreditar, ao relembrar encontros antigos, palavras benditas, imagens preciosas que, um dia, interpretei como sinais concretos de afeto.
Porque permaneço nessa espera sem esperança? Ninguém é capaz de avaliar a caudalosa enxurrada de emoções que me invadiram, nas poucas vezes em que ela se dispôs a me procurar. Ninguém pode medir a profundidade da alegria que sinto, quando ela diz qualquer coisa parecida com um "te gosto", mesmo que, no contexto, se refira a mim como um dileto amigo. Ninguém consegue imaginar quantas intenções ocultas procuro, em palavras simples que ela me escreve.

Nessa gangorra alucinada, uma certeza está cristalizada no meu íntimo. Na leitura do livro da vida, através dos meus olhos, ela é personagem principal, a heroína, que me emociona e encanta. A musa, que preenche minha alma com sonhos e fantasias. Tenho ganas de interpelar àqueles que a fazem sofrer. Sou voluntário primeiro, para assumir seu lugar, nos eventuais momentos de dor. Ou irremediavelmente louco, imaginando-me capaz de entrar em sua vida para preencher os espaços vazios. Dar-lhe alegria, consolá-la, realizar seus sonhos, aconchegá-la. No livro da minha vida, ela é o meu grande e definitivo amor.

Apesar de tudo, às vezes, tenho a impressão que ela nem me percebe. Que no livro da vida, visto através de seus olhos, eu talvez não passe de um asterisco. Um daqueles, que nos remetem a uma nota de rodapé, nem sempre lida, nem sempre compreendida, nem sempre importante. Apenas isso, uma nota de rodapé. Uma daquelas, que deixamos para ler momentos antes de virar a página. E que nunca, efetivamente, paramos para refletir sobre sua importância. Fica ali, quieta, quase implorando para ser vista e lida. Se fosse importante, estaria no texto, no contexto, nas linhas, nas entrelinhas, no âmago. 

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