LÚCIDO OU LÚCIFER?
Eduardo Prearo

Domingo... a missa, a hóstia. Os pecados que se imagina perdoados, um pântano negro num crescendo, na verdade. Uma pessoa cuja lucidez é sempre posta em dúvida, é pecadora? É, ser chamado de O Lúcido parece ser estranho, mas é talvez melhor do que ser chamado de O Lúcifer, ou é mesma coisa, vai saber... Um molusco gastrópode, uma tênia defecada, uma pantera negra na escuridão. Por que penso nessas coisas? A inteligência que parece não funcionar muito bem diante de qualquer opressãozinha. Opresso por gente boa! Opresso por gente que se mostra boa, adorada, amada, idolatrada. Alucinação... quem é o senhor? Devemos ser praticamente iguais ao outro porque senão é crime, é baixo, é vulgar... Somos marginais correndo de gente acobertada, gente sempre inocente, colocada no lugar certo para atacar um infeliz. Ninguém merece... O empregador, eternamente inocente, ataca também, mas quando ataca, ataca O Lúcido. Ou será que ataca O Lúcifer? Não, ele não ataca, ele é perfeito! Não erra. É como aquela santa que jamais pedia desculpas a alguém. E por que?, porque não pecava.

— Dr, creio que eu seja paranóico.

— Sou perfeito, porque sou perfeito. No entanto, sou perfeito!

— Creio que eu seja paranóico, creio que seja isso mesmo, doutor. O quê? Estou sendo repetitivo, doutor?

— Como, se sou perfeito, e sendo perfeito, sou perfeito e perfeito?

— Ah, entendi! Mas, doutor, quando vou receber alta?

— Sou perfeito, sou perfeito!

— Tá bom, não precisa gritar assim, Dr.!

Irmã Vênus belíssima, de uma beleza inenarrável; Irmão Urano de mãos dadas com ela. Somos todos irmãos. Estou dentro do ônibus, escrevendo, olhando para um frase pichada num muro: Amar é fácil, difícil é ser feliz*. Homens carregam caixas nos ombros, há gente correndo, o ônibus está lotando. Talvez eu seja mesmo um medíocre, e andam dizendo que isso não tem cura. Também. Homens tão elegantes que dá até vergonha! Elegância almejada por mim...uma mistura de discrição absoluta com charme. A gente olha e pensa: se aquilo não for homem o mundo acaba hoje! Outros podem pensar: talvez nem seja homem, mas é independente e feliz, isso é o que importa...até mesmo jogar isso na cara de alguém, isso é o que importa. 

O fim de semana termina rápido e a gente sente que não descansou. Pensar assim é algo talvez imperfeito, não sei o porquê exatamente. Tem umas pessoas falando inglês por aqui, estou ouvindo. Frustração por ter perdido a fluência que restava, por não ter continuado o curso. Que espécie de escritor sou, se sou...uma espécie estúpida, obviamente, uma espécie óbvia, amada pela psicologia moderna, uma espécie que escreve sobre...que resmunga, que rosna, enfim, o tempo todo. Talvez em extinção, porque as espécies em extinção têm que necessariamente estarem em extinção, é um fato consumado, ordenado por alguma força maior. É? Ohhhh...

— Dr, o que posso fazer?

— Sou perfeito, perfeito. Sou perfeito e perfeito.

— Tá bem, doutor, tá bem...


* Frase pichada num muro da Barra. 
Da Funda, ô meu, não da imunda!
E da autoria do Poeta Teobaldo.

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