Alfredo,
No início fomos EPÍGRAFE.
Palavras que eu inventava para justificar amar quem não devia. Desculpas,
belamente colocadas sobre nossa história, que transformavam irrisão
em sonho, decadência em tentação, safadeza em brilho.
Depois fomos PREFÁCIO, tateantes.
O começo que espera se tornar um texto, vontade de percorrer páginas
juntos, te conhecer, descobrir tuas entrelinhas que hoje sei tão banais.
Quanto era tudo jovem em mim e descuidado, como não percebi que o livro
tinha armadilhas no enredo, falsas pistas, criminosos forjados, traição.
No PRIMEIRO CAPÍTULO acreditei em ti. Vi como brilho real o que eram
fogos de artifício, como inteligência o que era esperteza, como verdade
bíblica o que era folhetim.
Pensei comprar um livro, recebia outro. E começava lendo o errado com
paixão.
No SEGUNDO CAPÍTULO percebi que havia um vilão nesta história, mas de
engano. Como autor esperto, me confundistes, apresentastes pistas falsas,
meandros intrincados de mentiras que me enredaram e continuei encantada,
personagem de um romance de amor tão inspirado.
No TERCEIRO CAPITULO foi o fogo, aprendi como arder em combustão espontânea,
ver o livro dilacerado em nossas mãos perdidas, a carne que esmagavas
com teu peso de homem, o cio que criavas só de me abrir, sem mesmo percorrer
a primeira página. Este foi o mais difícil de abandonar, o mais amargo,
porque paixão se confundiu com alma, desejo com amor, sofreguidão com
necessidade.
Hoje que conheço o romance inteiro sei do engano, mas no terceiro capítulo
era inexperiente de ler. Ardi como ardem as achas na fogueira, fui braseiro
de teu banquete, abatedouro de teus caprichos, coleira de teu jaguar
insaciável.
No QUARTO CAPÍTULO li as traições, compreendi assustada que o enredo
mudava, que estivera enredada pelo autor e esquecera meus diálogos.
Já não sabia falar por mim, monologavas diante dos meus olhos enganados.
Quis desistir, parar de ler, mas era tarde. Já fora contagiada pela
curiosidade, a crença de que haveria mudanças no final ,surpresas boas.
Ansiava por acreditar no the end dos filmes, queria ser Cinderela, me
escondi nas certezas mentirosas.
No QUINTO CAPÍTULO conheci a Laurinda, minha rival maior, a heroína
sem mérito da história, que acreditei bandida e em quem descarreguei
a fúria de leitora. Hoje sei que só houve um vilão e eras tu, meu amor,
o encantador de serpentes. Mesmo a cobra criada que era ela, também
foi enganada.
No SEXTO CAPÍTULO percebi que dava voltas como em um labirinto e sempre
a primeira página do livro era contada. Para perder de novo o rumo,
o índice, as páginas, os números. Voltávamos à circularidade inicial.
Entendi que era um livro tedioso este nosso, em sua inevitável marcação.
Diálogos previsíveis, ironias cansadas, palavras ferinas que escoavam
no ralo da tua indiferença. Da tua total incapacidade de me ver.
No SÉTIMO CAPÍTULO compreendi que nunca houve outro personagem além
de ti.
E em todos os outros insuportáveis capítulos deste texto que parecia
sem fim, vivemos uma história circular de pessoas mesquinhas, magoadas,
pequenas, seu mundinho banal, suas queixas, meus ciúmes, nunca houve
grandeza em você, Alfredo, só fogo-fátuo. Vaga-lume das noites escuras,
lanterninha de cinema suburbano.
Agora escrevo FIM neste romance e é com alívio que termino.
Se quiser me encontrar, veja no ÍNDICE. Entre tantas mulheres, sou mais
uma,
Tudo bem. Minha vingança é que hoje no meu enredo, és NOTA DE RODAPÉ,
comentário desnecessário , detalhe descartável.
Na próxima edição, amor, deletarei.
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