JORGE, MEU BRASILEIRO
Abgail

Sempre tive paixão por carros pretos, homens altos, barbas por fazer e camisas pólo. Exatamente isso tudo aí era Jorge. Dentes brancos, peitão peludo, jeito meio grosseiro, aí, não teve jeito, paixão a primeira carona.

Não me lembro da marca do carro, mas me lembro de suas longas mãos indo e vindo no câmbio, uma fala mansa, jeans levemente desbotados e uma bota importada de Barretos que o fazia o meu Clint Eastwood.

Enamoramo-nos, buscava-me na repartição e eu, me atrasava na saída, propositalmente, pra que toda a peruada do meu departamento me notasse entrando com aquele monumento, no possante carro preto motor 8 cilindros, se bem que esse tanto de cilindros nunca fez muita diferença em nossas vidas. Jorge era meigo, carinhoso, divertido, atrapalhado e ainda tocava boleros em seu velho violão, só pra mim, ah! Perfídia, não precisava de mais, eu não queria mais, adorava o seu jeito estranho e animal de puxar meus cabelos pela nuca e aproximar minha boca da sua, é certo que por vezes doía, mas nessa hora o que sempre importou foi o amor que vínhamos nutrindo um pelo outro.

Me levava a passeios românticos nos pedalinhos do lago, ele fazia uma força descomunal para me agradar, via todo o seu amor no suor que escorria e na vermelhidão de seu rosto após alguns quilômetros de pedaladas, éramos muito felizes.

Quis, com todo o direito, conhecer meus pais, marcamos pra um domingo, desde o acordar a casa era toda preparada pra ele, mamãe sugeriu colocarmos a mesa no quintal, papai gostou da idéia mas lembrou que Olavo, nosso cão pequinês, provavelmente não daria sossego à visita, concordamos em ficar quietinhos dentro de casa e Olavo bem alimentado e feliz do lado de fora pra evitar embaraços. O cardápio foi a parte mais difícil, resolvemos quase de última hora por um refogado de pescoço de peru que mamãe preparava magnificamente e que, provavelmente Jorge nunca teria comido e se esbaldaria.

Foi um sucesso, Jorge levantava papai à centímetros do chão, abraçando-o toda vez que juntos brindavam com uma cachaça mineira vinda não sei de onde, com mamãe dançou Altemar Dutra, até que as varizes de plantão de Dona Laíde não mais agüentaram, trouxe o violão e após nos fartarmos de peru, tocou perfídia e me beijou longamente, me lembro daquele beijo até hoje, tinha o gosto do pudim da sobremesa. As vizinhas vieram conhecê-lo e teceram comentários muito positivos junto à mamãe, foi um sonho aquele domingo inesquecível.

Já se fazia um ano de nossa convivência harmoniosa, quando Jorge começou como que do nada a se afastar, a se fazer distante, aparecer menos, e me beijar de forma mais casual, tentei renovar nosso caso, presenteei-lhe, dei tudo o que podia de mim, dei-me por completo, a distância, parecia aumentar, percebi claramente que era o começo do fim.

Jorge desapareceu por exatos trinta dias, até que recebi no meu portão o carteiro com um envelope que trazia apenas o destinatário e o carimbo da agência postal da cidade de Camaçari, percebi sua letra e a intenção de que ele não queria ser localizado. Tremi, temi e abri, era sim uma carta de despedida, sem uma real explicação de onde eu ou nós havíamos errado, ele estava me deixando, nos deixando e abrindo mão de todo o amor que eu sempre lhe devotei.

Ao final de sua carta, com sua letra rota e trêmula deixou uma breve nota ao pé da página:

- Biga (era assim que ele carinhosamente me chamava), seja feliz!

Nunca mais tive notícias do moço, curei meu coração, mas ainda não descobri onde reside, além de, no amor, essa tal felicidade.

fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.