INFELIZ ANIVERSÁRIO
Virgínia Circhia Pinto
Existe uma determinada fase da vida em que os finais de semana são, obrigatoriamente, ocupados por alguma festa de aniversário de criança e são o seu tormento. Seus filhos são pequenos e por este motivo, seus amigos também são e para seu azar, fazem aniversário e como se isso não bastasse, comemoram. Tem coisa mais chata que este tipo de festa?
Sua vontade é sempre de dizer que, infelizmente, tem um compromisso neste sábado à tarde, ou neste domingo, ou ainda, por todos os finais de semana do resto de sua vida, mas ele lhe entrega aquele maldito convitinho com tanta alegria, que você engole seco o desejo de atirá-lo na lata de lixo e parte pra arrumar algum atrativo, a fim de suportar aquele insuportável compromisso.
Sente calafrios ao imaginar o desprazer de encontrar todos aqueles casais que, como você e seu marido, vivem ensandecidos de tanto trabalho e pouco tempo para os filhos e para si mesmos. Sente náuseas ao imaginar o que a aguarda, mas deixa pra lá, senão, sábado amanhece doente.
Pensando bem, poderia ser pior. Você ser o pai do aniversariante e ter que pagar a conta. Já prestou atenção nas exigências das festinhas de hoje? A primeira pergunta que se faz é:
- Em que buffet vai ser?
Em meu tempo de criança o quintal de casa era mais que suficiente e a mesa era sempre enfeitada pelas garrafinhas de guaraná caçula recobertas por suporte de papelão com o Pato Donald ou a Branca de Neve e os sete anões. As festas eram regadas a barril de chope, tubaínas, sanduíches de salsicha enrolada no pão de forma sem casca, espetinhos de queijo, picles e azeitona estrategicamente espetados no mamão e os docinhos de todos os tipos enrolados à mão, por mães dedicadas e com tempo. A entrega dos chapeuzinhos e das bexigas era o ponto alto das festas.
Hoje, você já planeja o nascimento do rebento pensando em que mês cairá a despesa da festa por que não existem mais festas de criança sem: convite especial, monitores, brinquedões, piscina de bolinhas, mágico, decoração original dos filmes da Disney, lembrancinhas surpresas e tem que ser, de preferência, no buffet infantil da moda. Pode?
Dentre tantos aniversários, lembro de um bem diferente. Era da filha menor de um casal amigo que sempre encontrávamos nesses terríveis momentos. Chegamos lá na hora marcada, dezoito horas e a mãe estava aflita. Não conseguia disfarçar, nem o marido. Sutilmente perguntei o que havia. Ela desabafou:
- Comprei tudo, do salgadinho aos docinhos e bolo, tudo da mesma pessoa, e ela ainda não apareceu pra entregar. Fiquei muda. Olhei pro marido dela, recentemente infartado, e tremi na base.
Comecei a pensar na saia justa do casal e tentava imaginar uma solução. De quinze em quinze minutos eles ligavam para a tal mulher e ela alegava que estava atrasada, mas que iria entregar. Nos convidados presentes já existia um burburinho. Nunca vou esquecer o rosto de uma mãe insuportável, sabe daquelas que vão levar o filho na festinha e sentam pra se enturmar? Comentava em voz alta a ausência de comes e bebes, e eu já não conseguia olhar mais pra ela sem ter vontade de matá-la.
Nas férias de julho passadas, estivemos num hotel em férias e no restaurante cruzei com um rosto familiar. Cumprimentei. Sentei-me para desfrutar do café da manhã com vista pra montanha, mas aquela fisionomia me intrigava por não identificá-la de onde seria. Intrigada, pensei um pouco mais. Bingo! Lembrei! Era ela. A monstra-da-festa-infantil-sem-comes-e-bebes. Numa sutil vingança, contei aos amigos sentados à mesa o mau comportamento da senhora tão chique e imponente que nos fazia companhia na mesa ao lado. Todos rimos juntos e tive vontade de mostrar a língua pra ela ao lembrar do constrangimento que causou à nossa desesperada amiga, dona da festinha infeliz.
Depois de uma certa altura da festa, quando a coca cola e a cerveja já não conseguiam mais disfarçar a ausência de dentes mastigando, o telefone da cozinheira passou a não atender mais. A dona da festa sussurrou ao meu ouvido:
- O telefone não atende mais e o Vanderlei vai ter um outro infarto!
Levantei-me da cadeira e disse:
- Se você permitir, eu ligo pra um disque-pizza, disque-esfiha e resolvo isto rapidinho, numa boa.
Ela não sabia o que fazer. O pânico tomava conta da situação, mas ainda tinha esperança da mulher estar a caminho e me pediu mais um tempo antes de começarmos as ligações.
Disfarçávamos o desespero, tentávamos minimizar a situação, mas não estávamos mais conseguindo.
O porteiro interrompe o impasse e avisa no interfone:
- D. Laurinda, a entrega chegou!
Pobre amiga! Depois de três horas, num gesto de alívio, comunica a todos o começo da festa. Aplaudimos. O marido volta a ter cor e respiramos aliviados.
E como num acordo subliminar, daqueles que só os verdadeiros amigos conseguem perceber, servimos juntas tudo do começo ao fim, até chegarmos aos parabéns e ao bolo. E nunca, nunca mais, tocamos neste assunto.
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