FUTURO INEXISTENTE
Tassiana Lopes

24 de janeiro de 1990, sexta-feira, céu cinzento, muita chuva misturada com lágrimas, minhas próprias lágrimas. Ninguém presente, apenas um lindo e fabuloso gramado, bem verdinho, parece até que chovia todos os dias. Parece até que alguém chorava todos os dias.

Uma linda segunda-feira ensolarada. Não estava entendendo, lá no fundo estava ouvindo um barulho bem baixinho, que a principio não conseguia identificar, mas logo descobri. Acordei já atrasada! Era o despertador que tocava num som alto e irritante. Mas não deu tempo para me preocupar com isso, tive logo que me aprontar senão meu chefe iria me matar! Afinal dois sermões consecutivos não iria agüentar! Pois é, fui para o terceiro, e mais um aviso prévio. Mas naquele dia nada me abalara. Afinal, estava feliz, sentimento que fazia tempo que não sentia. Pois em poucos dias eu iria finalmente encontrar com o meu tão esperado namorado anônimo! Já fazia três meses que estávamos conversando pela internet. Com ele tudo parecia muito real, ele me entendia como ninguém antes havia entendido. Sempre em toda a minha vida o que eu só fazia era ouvir as pessoas, mas com ele não, eu podia falar! Até sinto vergonha de dizer mas só eu falava. Será que ele não estaria se sentindo comigo o mesmo que eu sentia com as outras pessoas de só ouvir? Hum, acho que não porque quem perguntava as coisas era ele! Eu particularmente adorava, pois tinha alguém que gostava de saber sobre mim. Acho que finalmente encontrei a pessoa certa! Pensava eu...

Na quarta-feira, fiz um interurbano para minha mãe. Tadinha, mora lá no interior do Paraná. Ainda bem que eu consegui sair de lá e fazer a minha vida aqui em São Paulo. Fora minha solidão estou muito feliz por ter vencido esta batalha! Hoje sou independente, e posso ajudar minha mãe! Mas voltando ao propósito da ligação, liguei para contar da minha grande felicidade, pois na minha cabeça estava até preparando o buffet do casamento! Sabe como é mulher né, sempre querendo pisar em um nível mais alto de onde seus pés podem alcançar. Porém logo meu humor mudou. Acabei brigando com ela, pois dizia que era loucura e que eu nao deveria fazer aquilo. Como todo filho, eu não dei bola e achei que era caretisse de caipira do interior. A única coisa que me lembro dizendo era para ela não cuidar da minha vida, porque já era bem grandinha, e que sabia me virar sozinha. Desliguei o telefone. Mães falam demais.

Quinta-feira, muitos relatórios a serem entregues. Sexta-feira, chefe atrevido! Proposta indecente. Noite de aflição. Momento de indecisão. E agora, peço demissão ou finjo que nada aconteceu? Mas eu dependo disso! Sedutor viajante online. Ufa, que bom, segunda-feira eu vejo o que faço.

Finalmente o tão esperado dia chegou. O despertador nem precisou tocar, de tanta ansiedade que estava acordei cedinho, e logo fui admirar o quão lindo estava aquele dia. Os pássaros cantavam, as nuvens se transformavam em formatos de coração! Hoje vai ser meu dia, tudo irá mudar...

Dim Dom.

- Nossa você é pontual! Entra...

- Você é linda! Sou um cara de sorte!

- Obrigada! Então para onde iremos?

- Para o seu quarto.

- Pera ae, o que você está fazendo! PARE! MÃE VENHA ATÉ AQUI... MÃE

- Sua cretina. Não pense que me engana. Sei que mora sozinha. Sua tagarela. Agora cale a boca e me obedeça.

- NÃOOOOO. SOCORRO...

***

Minha casa foi interditada e cercada por policiais e peritos. Minha mãe? Aff, coitada, quase teve um enfarte quando soube da notícia. Mas ela sobrevive. Afinal, em sua mocidade, aprendeu a ouvir seus pais.

24 de janeiro de 1990, sexta feira, céu cinzento, muita chuva misturada com lágrimas, minhas próprias lágrimas. Ninguém presente, apenas um lindo e fabuloso gramado, bem verdinho. Já faz oito anos depois do acontecimento. Hoje é o aniversario de minha morte. Continuo sozinha. Mal sabia eu que aquela linda segunda feira de oito anos atrás seria a ultima da minha vida. Como queria eu ter mais uma segunda-feira para poder falar para o meu chefe que não era tão ingênua como ele pensava e que era capaz de arrumar emprego melhor. Pedir desculpas a minha mãe e dizer que eu a amava. Queria eu poder ter muitas outras segundas-feiras pela frente. Queria poder ter vivido, queria poder ter escutado. Queria não ter errado e não ter que hoje celebrar este triste aniversário.

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