LÍVIA
Reinaldo de Morais Filho
Lívia completou um ano de vida e, quando lhe beijei a fronte carinhosamente, ela me fitou com um sorriso nos lábios, sem saber o que sentira.
Na verdade, nada parecia aos seus olhos com um juízo completo do que significava. Talvez por isso, sorriu ao fim da noite enquanto eu chorava.
Verti lágrimas em seu ombro quando K. me veio consolar no canto solitário onde tentava esconder a angústia, carregando a irmã minúscula em seu braço e atirando-a,
involuntariamente, ao choro molhado ao qual sucumbi.
Antes disso, porém, corri nas ruas daquele lugar ermo que desconhecia, com a última esperança de encontrar a saída para um campo limpo de ar gostoso de respirar, sem as lembranças sujas de Ana - sem sua presença, ao menos.
Todavia, não encontrei nada além de uma esquina escura que tive medo de seguir - como todas outras curvas violentas que me aparecem e desconfio. O ar continuava grosso e difícil de
engolir, como se fosse eu quem tivesse que nutrir o mundo todo sem dele me alimentar.
Na volta, ainda antes do choro no ombro amigo, lembrei-me dos olhos acesos de Lívia quando recebeu meu beijinho de feliz aniversário, do riso bobo e sem marcas quaisquer de tristeza, puro mesmo como o ar que procurava.
Foi assim que parei naquela canto: não como quem procura um canto para quedar-se, mas como alguém que fosse atirado em uma cama macia para curar-se.
As lágrimas, então, eram chagas em que explodia, um veneno forte que expurgava da minha alma a pedido do mundo negro que se alimenta do mal para bom tornar os homens que nele habita.
Desta maneira, entendi porque o ar me faltava e o grito me pedia para sair. Gritei em uma única expiração e senti como se uma agulha me apertasse o peito, abrindo um poço do qual catava as lágrimas em que me tornei.
K. chegou guiado pela voz desesperada em que me libertava e, sabendo-se amigo, abriu o ombro ao meu sustento, sem percebermos que o choro podre escorria à pele alva de Lívia e a enchia de mácula.
Após a última gota que pingou em seu corpo, ela sorriu sem saber que fora contagiada com a dor.
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