DIA DE ANIVERSÁRIO
Luisa Jardim

Nita acordou às 6h30, como de costume, e continuou quieta na cama, com os olhos fechados. Era o dia do seu aniversário e ela esperava ganhar aquele conjunto de bolsa e sapatos, caríssimo, que combinava perfeitamente com o vestido que ela havia comprado para o casamento da cunhada. Ela havia mostrado o conjunto pelo menos umas três vezes ao marido, de modo que ele certamente sabia que ela o queria. Ouvindo o barulho que vinha da cozinha, ela antecipou a entrada dele no quarto com a bandeja do café da manhã e o presente. 

Os dois filhos tinham ido, providencialmente, dormir na casa da avó para que pudessem ter aquele primeiro momento do dia sozinhos. Afinal, entrando na casa dos “enta” (Juliano havia feito 40 dois meses antes e ela se assustava só de pensar que estava completando 39) e depois de 12 anos de casados e dois filhos (8 e 5 anos), esses momentos de intimidade eram raros e preciosos.

Mas, alguma coisa estava errada. O marido entrou todo sorridente, com a bandeja preparada, mas... nenhum presente. Quer dizer, o presente, que ele deu com um beijo, era apenas um envelope. Esforçando-se para não demonstrar desapontamento, Nita tirou do envelope um “vale uma semana de beleza” em uma academia da moda na cidade. Com este, ela poderia fazer ginástica, massagens, sauna, tudo com acompanhamento de nutricionista.

Com que então ele achava que ela estava gorda, precisando de ginástica? Foi-se o apetite e ela apenas beliscou um pedacinho de mamão e uma xícara de café. Como poderia comer os deliciosos “croissants”, recheados de queijo e geléia, o iogurte enriquecido com mel? 

Finalmente, ele saiu para o trabalho e ela ficou certa de que seu esforço para não demonstrar desapontamento tinha tido sucesso, pois Juliano estava falante e com um sorriso matreiro. 

Aproveitou o dia de folga (graças aos céus seu chefe sempre dava folga ao funcionário no dia do aniversário) para fazer uma faxina no guarda-roupa e aí, foi pior: todas as roupas lhe pareceram apertadas, nenhuma lhe caía bem. Estava definitivamente fora de forma. No almoço, sozinha em casa, comeu uma folha de alface, três rodelinhas de tomate, um bifinho de frango minúsculo, grelhado, e um copo de suco. Isso lá era almoço de aniversário?

À tarde foi à academia para marcar as sessões de massagens e a ginástica, de modo a conciliar com o horário de trabalho. Tinha que levar a sério o aviso de Juliano. É isso que acontece, mulher que não se cuida empurra o marido pra outra. E ela já se imaginava sozinha com os meninos, abandonada! Os danadinhos, da casa da avó foram para a escola e nem um telefonema lhe deram. Será que iam preferir morar com o pai? 

“Ah!, deles eu não abro mão, não abro mesmo!”

Tinha acabado de tomar banho quando Juliano chegou do serviço, perguntou pelos filhos e propôs: “Vamos buscá-los na casa de sua mãe? Enquanto eu tomo um chuveiro rápido, troque este vestido, vista uma roupa bonita, heim, que hoje é seu aniversário!”

Pronto... de novo demonstrando que não estava satisfeito – sua roupa de todo dia também não lhe agradava. Precisava mudar o guarda-roupa imediatamente. Depois de muito escolher, achou um vestido que lhe pareceu melhor que os outros. Maquiou-se levemente, escovou bem o cabelo (estava precisando de um bom corte) e estava pronta. Ele também já estava vestido, bem arrumado, aliás, impecável, como sempre. 

No caminho, estranhou porque Juliano escolheu uma rua que levava ao centro, afinal sua mãe morava no bairro ao lado do seu. Questionado, a resposta foi: “Quem tem pressa? Não temos nenhum compromisso”.

Nita só começou a desconfiar de alguma coisa quando ele parou o carro em frente a um bar que pertencia ao primo dele e convidou: “vamos dar uma passadinha aqui, quero falar com o João”. Era um lugar em que iam poucas vezes, pois era muito caro e eles estavam economizando para comprar um apartamento na praia. Entrou meio empurrada pelo marido, que ria de seu embaraço. A grande mesa reservada a um canto, esta cheia de amigos, parentes e até alguns colegas de trabalho. Ao receber o beijo dos filhos, com os olhos cheios de lágrimas (de pura felicidade), ela ficou pensando no quanto sofrera todo o dia, sem nenhum motivo, só por causa de sua imaginação sempre exagerada.

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