NOITE DE CANDANGO
Iosif Landau

Apareci na casa de Francisco tarde, quando os outros já estavam com um o copo de cerveja na mão, falando num tom acima do normal.

Heloísa aproximou-se de mim. beijou meu rosto barbudo.

– Cheiroso. É para mim?

– Só você beija minha barba.

Afastou-se rindo, fui à procura de um copo, me servi da bebida, procurei um canto.

– Ainda escreve coisas? 

Levantei o olhar.

– A gente não escreve coisas. Não vou perder tempo em explicar para alguém que nem sabe falar direito.

Afastou-se, meu mau humor era proverbial, não me esforçava para desmentir. Acendi um cigarro, outro encostou.

– É a professorinha. Tá grávida. Diz que é meu. Não quer tirar.

– Eu com isso?

– Vão me afastar... podia dar um jeito.

– Você é um filho da puta!

Virei-lhe as costas, voltei para dentro, aturar essa gente numa festa era bem pior que lidar com operário analfabeto, morar em acampamento uma merda.

– É Heloísa... não me quer mais... tem obrigação, é minha esposa. 

Francisco parecia querer chorar.

– Esposa, esposa... é tua mulher... sua dama, sua puta... aposto que transa com ela de luz apagada, de pijama... leu Kama Sutra?

Afastei-me, o que é que esses caras pensam que sou, padre, juiz, psico.

– O que foi que ele te falou?

Olhei para Heloísa como se a visse pela primeira vez... mignon, corpo perfeito, pernas bem torneadas, o inicio das coxas se perdiam debaixo da saia, podia jurar que via... alguns tem tudo e não sabem...

– Nada! 

Esvaziei o copo, o deixei num canto, saí sem me despedir.

Levantei a cabeça do travesseiro, o sapo que coaxava debaixo da janela silenciou, batidas leves e continuas na porta. Saí da cama, não me apressei, procurei pela lata de cerveja na geladeira, caminhei até a porta e abri.

– Ele bebeu demais, e agora dorme e ronca. 

Entrou, dirigiu-se até o quarto, deitou-se na cama.

Joguei-me em cima dos seus lábios, desabotoei a blusa, escorreguei a boca em direção aos seios, ela desceu a saia, segui com os lábios, afastei o pano úmido da calcinha como se fosse a cortina de uma casa de bonecas, achei, segurou minha cabeça, empurrou, empurrou... fina baba escorreu pelo canto da minha boca... dois bichos atormentados com a proximidade do fim do mundo, soldados um no outro... acariciei seus cabelos, seu rosto, cruzamos olhares em transe... 

Batidas na porta, nos afastamos... parecia que alguém jogara água fria, um sabre invisível separou nossos corpos como num passe de mágica... calças, botas, camisa em cima dos ombros... abri, sopro de ar frio me bateu de frente, serrei os dentes.

– A luz do seu quarto estava acesa... acordado? Heloísa... não está em casa.

Balancei a cabeça, gesto que nada significava.

– Posso entrar?

Minha cabeça um tumulto, perder um amigo me parecia agora doloroso.

Ela apareceu vindo da cozinha com um copo de leite na mão, nem um fio de cabelo fora do lugar... continuei mudo... ele se aproximou dela, os deixei, fui me servir de uísque puro, engoli meio copo de uma só vez... Francisco seu babaca, terá que aprender com ela... elas, todas elas, do passado, do presente, as que ainda virão, qualquer dia acabarão por me matar, meus gritos não serão de dor nem de raiva, mas de amor, meus gemidos puro e cristalino agradecimento, amém.

Voltei à sala, saiam de mãos dadas, antes de fechar a porta, gritei:

– Feliz aniversário!

Me servi de outro uísque, engoli de uma só vez, o copo com leite ainda em cima da mesa.

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